Da embriaguez
Duas
coisas sempre me impressionam quando viajo ao interior do país:a
religiosidade e o alcoolismo.Não há uma só cidadezinha do interior do
Brasil que não se molde nestes dois pilares.Há invariavelmente uma
igreja e um botequim que significam a alma do lugar.Não é
chacota.Ao contrário, é a metáfora mais elementar do que é viver:se
embriagar.Seja de álcool, de cocaína, de Deus, de amor, ou do que houver
mais à mão.Viver é paradoxalmente fugir à própria vida.Afinal de
contas, já é senso comum dizer que não temos a mínima idéia do que
fazemos aqui, do que é a vida.Somos nós mesmos os autores , os
inventores da vida, dos sentimentos, das idéias.É tudo ficção, meus
caros.A vida real nos escapa, porque a realidade em si não existe.Ela
nos é dada por nossa imaginação.Somos o produto do meio e o meio somos
nós mesmos.Até parece conversa de bêbado, não?Por isto mesmo a
arte é a mais nobre das atividades, porque ela é a mais autêntica em
escancarar sua hipocrisia.Platão, pobre coitado , não pegou o espírito
da coisa.A arte é a cópia da cópia que nós , incoscientemente tecemos e
que julgamos ser a realidade.(como nos enganamos, não?).Não existe o
real, muito menos mundo sensível.Fora da caverna platônica, o que há é
outra caverna, e outras sombras que espreitam as sombras de dentro de
outra caverna, e assim sucessivamente.A arte simplesmente assume sua
própria condição de construção artificial da realidade, que , per si, já
é um artifício construído.Ah, não esqueçamos das verdades
factuais que não explicam coisa nenhuma mas estão aí para serem
veneradas por nobres jornalistas que têm horror a ultrapassar os
fatos…Pois eu digo que prefiro o estado de embriaguez: a
embriaguez do amor, da arte, do sexo, da religião, etc, etc,.E quem me
garante que esta nossa lucidez não seria um estado mórbido da alma;quem
me garante que a verdade não estaria na poesia e não na ciência, ou que
esta não seria uma espécie de poesia?O próprio Einstein nos ensinou que
pouco estudo nos afasta da religião;e que muito estudo nos aproxima
dela.A religião é a mãe da arte, não nos esqueçamos.O que foi feito dela
por certos canalhas” lúcidos” demais é outra história.A
consciência apenas nos diz que não sabemos de nada e que precisamos nos
inventar o tempo todo.É o que nos demonstra com todo o método(caótico,
mas ainda assim método) a filosofia a partir de Platão, pobre coitado,
na verdade um grande ficcionista-contrutor de realidades- que
inconscientemente(olha só a embriaguez) queria expulsar ele mesmo de sua
república utópica , de tão chata que ele deveria
considerá-la.Paciência,o homem era um grande artista enrustido.