2004-09-30 17:12:00

       
  

Da embriaguez

Duas
coisas sempre me impressionam quando viajo ao interior do país:a
religiosidade e o alcoolismo.Não há uma só cidadezinha do interior do
Brasil que não se molde nestes dois pilares.Há invariavelmente uma
igreja e um botequim que significam a alma do lugar.

Não é
chacota.Ao contrário, é a metáfora mais elementar do que é viver:se
embriagar.Seja de álcool, de cocaína, de Deus, de amor, ou do que houver
mais à mão.Viver é paradoxalmente fugir à própria vida.Afinal de
contas, já é senso comum dizer que não temos a mínima idéia do que
fazemos aqui, do que é a vida.Somos nós mesmos os autores , os
inventores da vida, dos sentimentos, das idéias.É tudo ficção, meus
caros.A vida real nos escapa, porque a realidade em si não existe.Ela
nos é dada por nossa imaginação.Somos o produto do meio e o meio somos
nós mesmos.Até parece conversa de bêbado, não?

Por isto mesmo a
arte é a mais nobre das atividades, porque ela é a mais autêntica em
escancarar sua hipocrisia.Platão, pobre coitado , não pegou o espírito
da coisa.A arte é a cópia da cópia que nós , incoscientemente tecemos e
que julgamos ser a realidade.(como nos enganamos, não?).Não existe o
real, muito menos mundo sensível.Fora da caverna platônica, o que há é
outra caverna, e outras sombras que espreitam as sombras de dentro de
outra caverna, e assim sucessivamente.A arte simplesmente assume sua
própria condição de construção artificial da realidade, que , per si, já
é um artifício construído.

Ah, não esqueçamos das verdades
factuais que não explicam coisa nenhuma mas estão aí para serem
veneradas por nobres jornalistas que têm horror a ultrapassar os
fatos…

Pois eu digo que prefiro o estado de embriaguez: a
embriaguez do amor, da arte, do sexo, da religião, etc, etc,.E quem me
garante que esta nossa lucidez não seria um estado mórbido da alma;quem
me garante que a verdade não estaria na poesia e não na ciência, ou que
esta não seria uma espécie de poesia?O próprio Einstein nos ensinou que
pouco estudo nos afasta da religião;e que muito estudo nos aproxima
dela.A religião é a mãe da arte, não nos esqueçamos.O que foi feito dela
por certos canalhas” lúcidos” demais é outra história.

A
consciência apenas nos diz que não sabemos de nada e que precisamos nos
inventar o tempo todo.É o que nos demonstra com todo o método(caótico,
mas ainda assim método) a filosofia a partir de Platão, pobre coitado,
na verdade um grande ficcionista-contrutor de realidades- que
inconscientemente(olha só a embriaguez) queria expulsar ele mesmo de sua
república utópica , de tão chata que ele deveria
considerá-la.Paciência,o homem era um grande artista enrustido.

 

  

2004-09-28 18:05:00

       
  

A verdadeira revolução

Os lábios carnudos e bem delineados
são produto de uma delicada aplicação de botox;os olhos verdes
lancinantes, fruto do uso de lentes de contato coloridas;o corpo
magnificamente esculpido por sucessivas lipoaspirações e enxertos de
silicone.O rosto juvenil é produto de blefaroplastias e levantamento de
bochechas.E tome botox.

Foi-se o tempo em que a beleza era mera questão
genética.Hoje é também uma questão científica e sobretudo
econômica.Torna-se belo aquele com suficiente poder aquisitivo para
adquirir sua estética sonhada e desejada. O encanto sutil da juventude é
hoje vendido por dois tostões ou um pouco mais. Em nossa era
capitalista, o maior bem durável pode ser a aparência, não se esquecendo
que o dinheiro também compra a durabilidade do estimado bem.

O mercado está destruindo o acaso, vejam só.A
possibilidade ou não de se nascer belo ou feio e continuar assim está se
diluindo.Por um preço razoável, você pode escolher a cor dos seus
olhos, a tessitura de sua pele, a angulação do nariz, etc,
etc.”Anatomia é destino”.Era, já não é mais. Em breve, com o
avanço nas pesquisas genéticas, poder-se-á escolher as características
dos filhos. O ser humano cada vez mais toma posse das leis da natureza,
moldando-a a seu bel prazer.

Irônico que o progresso da manipulação da natureza
não tenha se dado sobre o intelecto, como havia previsto Aldous Huxley
em seu ‘’Admirável mundo novo’’, mas tenha acontecido a partir do
corpo.Fácil de entender: as consciências são facilmente manobráveis,
quer seja pela exclusão sócio-econômica ou pela mediocridade inerente ao
ser humano mesmo.Desnecessárias manipulações genéticas de ordem
intelectual para conseguir dominar um povo ou uma raça.O ser humano é
dócil e amestrado por natureza.Um ser humano dominado é uma redundância,
um pleonasmo.

A revolução é da ordem da futilidade, da aparência,
do belo. Em um mundo esvaziado de sentido e de ideologias, nada melhor
que o investimento na casca, uma vez que o recheio apodrece e já começa a
cheirar mal.Toma-se um banho de loja(genética, fisiológica…) e tudo
se resolve, tal qual alguém pouco afeito a um banho
convencional que passa um bom perfume francês para disfarçar
odores desagradáveis.

E o mais divertido é que esta revolução não
revoluciona coisa nenhuma, não subverte valores,não cria valores, não
acresenta nem tira nada de coisa nenhuma, apenas deixa as pessoas mais
bonitinhas.Os valores são as cifras de quem tem mais para comprar
mais.Os valores são dos olhos que prazeirosamente acompanham as mutações
genéticas que estimulam o prazer táctil e visual.Esta é realmente a
verdadeira revolução sexual, que libera o indivíduo dos seus limites
estéticos e o torna objeto de desejo: a prestações, à vista ou parcelado
no cartão.

  

2004-09-25 15:38:00

       
  

Circo sem pão

Mesmo nos momentos em que tive mais convicção,
sempre tive a estranha sensação de que estava representando.Nunca
consegui agir naturalmente de todo.E duvido que alguém consiga.Se a vida
não tem muito sentido mesmo, não resta outra opção a não ser construir
um sentido, de inventar a nós mesmos.Por isso a impressão de estarmos em
um teatro.Como não há certezas, fabricamos algumas, ou mesmo encenamos
nossas dúvidas.O teatro em si não passa da representação da
representação dos nossos dilemas.Haja metalinguagem nisto tudo.

Na vida,assim como no palco,uns interpretam melhor, outros nem tanto,
tudo variando de acordo com o público e de acordo com o ator.O
enredo é que nunca é muito bem definido.Farsa, comédia, tragédia, tudo é
misturado.

Bem, todo este preâmbulo metafísico meio óbvio para observar o
seguinte:se é para interpretar , porque uns interpretam tão mal e mesmo
assim convencem a tantos?O exemplo flagrante é o caso das
eleições.Reparem na tv que as performances são as mesmas de sempre, o
tom é sempre umas duas oitavas acima do convencional, a canastrice é
generalizada.Desde que Marlon Brando revolucionou o método de
interpretação nos anos 50, dando ênfase a uma atuação mais naturalista e
contida, nunca se viu tanta canastrice na televisão.O horário político é
um desserviço ao teatro, um retrocesso a um tipo de atuação
melodramática, ao gosto de Rodolfo Valentino e Bela Lugosi.

Sou favorável a que os políticos tenham aulas de teatro.Se é para
enganar, quer dizer, ‘’convencer’’, que o façam com mais talento e
critério.Sim, está provado que todos nós temos uma necessidade vital de
ilusão, de sermos enganados mesmo.Mas pelo amor de Deus, que ao menos
nos dêem um espetáculo menos pobre, menos canhestro, mais rico e menos
óbvio.Tudo na vida deve ser feito com critério e um mínimo de talento,
até a mentira, digo, ‘’a encenação’’.

E se o grosso da população ainda não tem sofisticação suficiente para
apreciar algumas sutilezas de uma encenação de talento, que apurem o
gosto popular, para que todos possamos  ser
democraticamente enganados e ludibriados com mais leveza e
gosto.Assim todos poderemos usufruir de uma bela catarse.

E enquanto as eleições não acabam, bom espetáculo a todos.Se aguentarem.(o pior é que sequer podemos sair no meio da peça…).

  

2004-09-22 16:13:00

       
  

Sobre algo



 
 
Penso diariamente em suicídio.Por mais absurdo que possa parecer, é
a única maneira de manter  minha lucidez.É difícil conviver com a
falta de sentido e do total esgotamento intelectual humano.Todos os
humanismos foram contestados, todos os sistemas políticos, toda a
filosofia, absolutamente tudo foi posto em cheque no século passado.
 
O que sobrou?Nada mais que este porre absoluto chamado
relativismo.Dá até saudade de um certo conservadorismo que dizia (que
ainda diz) que há princípios incontestáveis, que há valores
indiscutíveis.
 
Mas não dá para voltar atrás.Como acreditar piamente em uma moral
cristã depois de Nietzsche?Como pensar em uma república utópica de
Platão depois de termos inventado esta mídia imoral que fabrica meias
verdades?(Fatos, eles dizem, atenham-se aos fatos.Mas o que são os fatos
sem uma compreesão maior?”os fatos me entediam”, já dizia Paul
Valéry.).A história das idéias parece ser uma constante humilhação de
teses passadas, uma permanente autofagia que nos lança , cada vez
mais , em um vácuo.
 
Não sou cético, apesar de o parecer.Meu problema é justamente
este:tenho esperança.Em princípio, todos(os que permanecem
vivos) temos.Me alimento exclusivamente deste câncer ”salutar”
chamado esperança.É preciso saber tirar lições do absurdo em que
vivemos.É urgente a criação de uma nova didática que obedeça aos moldes
da arte.Sim, da arte mesmo.Platão expulsou os artistas de sua
”república”.Talvez fosse melhor expulsar os pensadores.Não há mais
espaço para um pensamento cartesiano, lógico, racional.É preciso
reinventar o modo de se pensar, e talvez este modo seja a poesia.As
tensões da nossa era ”pragmática” estão se rompendo.Vivemos em um
mundo bárbaro travestido de civilização.”O mais forte sobrevive”.Força
econômica, força de poder.Nada mais.Apenas um arremedo do sistema
feudal da idade média.E ainda nos chamamos de ”pós-modernos”.
 
Vivemos, aparentemente, em um mundo supostamente melhor do que
foi antes.Aqui, na terrinha ,desfrutamos de um regime democrático que
dá voz à todos.Mas de que adianta o direito à voz, se quase ninguém
tem o que dizer?Não há voz, mas apenas um grunhido animalesco e
inaudível.O que se observa é uma multidão de apáticos que seguem
ordinariamente a voz daqueles que JULGAM ter razão, o que é muito
pior.Yeats dizia que ”os piores sempre são radicais, enquanto aos
melhores falta convicção”.Tendo a concordar.
 
E ficamos nós aqui, intelectuaizinhos desencantados mastigando
nossa própria desilusão.É preciso agir, é preciso sim ser infantilmente
utópico, é preciso lutar contra moinhos de vento, é preciso ser patética
e ridiculamente quixotesco.Ou então seremos esmagados por esta
razão medíocre, por esta sanidade tediosa que nos ensinam desde o berço e
que deu no que deu.Cá para mim, prefiro o meu ridículo.

  

2004-09-19 11:48:00

       
  

Minoria de um, com muito orgulho

A câmera fecha em close no rosto:o olhar lancinante, a boca trêmula, o
semblante pálido ressaltam a indignação quase furiosa do homem que
vocifera em tom trágico: ‘’é o fim, é o fim!’’Não , não é o prenúncio da
terceira guerra mundial nem a cena de uma telenovela mexicana. É apenas
um comentarista de futebol revoltado contra o rebaixamento de sei lá
qual time.

O Brasil é o país do futebol.Acredito.Segundo estudos,a maioria da
população prefere um jogo de copa do mundo com a seleção a uma noite de
amor com a mulher que ama.A paixão do brasileiro é o futebol.Uma paixão
maior do que a mulher , do que o sexo.

Existe um único brasileiro que despreza o futebol:eu.A coisa me dá
nos nervos.Um esportezinho chato, capenga, em que vinte e dois marmanjos
tentam deseperadamente enfiar uma pelota na rede por uma hora e meia.(o
menosprezo é claro, mas admitam, a descrição é exata).E por isto
vociferam e discutem apaixonadamente como se discutissem a iminência de
uma hecatombe nuclear.A paixão dos brasileiros pelo futebol é
imensurável.Só não é mais gigantesca do que o meu desprezo pelo esporte.

‘’Infeliz do país que precisa de heróis’’, dizia Brecht. Infeliz de
um país que necessita de heróicos sujeitinhos desarticulados,
semi-alfabetizados, que por saberem chutar direitinho uma pelota se
transformam em ícones nacionais.A tragédia maior brasileira não é
precisar de heróis, é transformar em heróis gente que não tem nada a
dizer, nada a acrescentar.

‘’Ah, mas o esporte não precisa de gente que tem o que dizer’’.Pior
para o esporte, ora.Nunca concebi a idéia de me divertir vendo um bando
de gente suarenta competindo, tentando se superar fisicamente.Para que,
com qual propósito? Todo esporte é um contrasenso.A competição é
inerente ao ser humano.Mas toda competição , até mesmo uma guerra, tem
um objetivo prático, visível.No esporte, não.Se vence pelo prazer de
vencer, pura e simplesmente. É a necessidade primária, primitiva do ser
humano de querer ser o melhor.Freud pode até explicar, mas eu tenho
preguiça de ouvir a explicação.Esporte é chato, é sem sentido.E o
futebol é o maior representante deste apalermamento de consciências.

Pior que um jogador de futebol é o torcedor.O jogador ainda tem a
desculpa de estar exercendo a sua competição individual.O torcedor é um
pobre ”voyeur” que extrai seu prazer na vitória alheia.É
patológico.Uma maioria de milhões de torcedores que sejam não justificam
este comportamento patético .Dane-se a maioria de apaixonados pelo
futebol.Maioria quase nunca tem razão.Jesus Cristo que o diga.

Mais baixo e desprezível do que o torcedor comum de futebol é o
comentarista de futebol.É o pateta patológico credenciado.A figura é o
equivalente a um meninote especialista em bolinha de gude em estado
adulto.Um especialista naquilo que é invenção mais pobre e vazia da
história da humanidade:o esporte;o futebol.Especialista em bolha de
sabão.

Por isto torço francamente pela corrupção generalizada no
futebol.Adoro os cartolas do esporte que exploram o futebol sem
piedade.Meu prazer é ver os engulhos de ódio de comentaristas diante da
cartolagem.Também sou um torcedor, enfim.Torço fervorosamente pelo fim
do futebol.

 

 Escrito por Adrilles Jorge às 19h07
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2004-09-18 20:04:00

       
  


O ódio e suas funções terapêuticas de auto ajuda ou por um mundo melhor e mais feliz

Tenho certos vícios estranhos e bizarros.Um deles é assistir a certos
programas de tv que detesto.Alguns trechos, claro, que meu estômago não
é de avestruz.Desta linha estética, o meu preferido hoje é o ‘’saia
justa’’, por reforçar todos os preconceitos que se tem contra as
mulheres:a verborragia vazia, a filosofia de almanaque e a vulgaridade
travestida de polêmica intelectual.Antes que alguma liga feminista me
processe, explico que as moças do programa em questão é que são exemplos
isolados(quer dizer, nem tão isolados) dos termos que citei.Longe
de mim querer generalizar sobre ‘’a essência feminina’’(aliás, isto sim
que é coisa de feminista).

Mas o que era mesmo?Ah, sim,o programa. Vendo a Fernanda Young
disparar mais uma série de besteiras e escatologias envoltas em pretensa
sofisticação, cheguei a uma conclusão filosófica:percebi que o ódio é
de importância vital para a constituição do caráter de uma pessoa.Tão
importante quanto a amor.Bem entendido , o ódio, não o mal.Não quero
fazer mal à srta. Young, mas isto não me impede de detestá-la, o que
considero salutar para a formação do meu caráter.Quem não ama, vive pela
metade.Quem não odeia , também.O amor incondicional é uma falácia, e
mais:o amor incondicional é patológico.Não há como não odiar a
mediocridade, o mau gosto, a leviandade, a desonestidade.Amar a
humanidade inteira com todos os seus erros incrustados dá indigestão.É
como querer copular com todas as pessoas que vc vê na sua frente.É
inumano e grotesco.

Evidente que é preciso certo método ao odiar.Fazer beicinho a uns e
outros por pura antipatia pessoal não pode.São precisas razões embasadas
para se odiar alguém.O exemplo da srta. Young é pertinente porque ela, a
meu ver, personifica a falsa sofisticação, o falso talento, a besteira
bem dita(às vezes, mau dita mesmo).Ela é mais nefasta que um João
Kleber, porque este se coloca claramente como um sujeito idiota e mau
caráter.Já a srta. Young tenta se mostrar como a vanguarda do pensamanto
moderno.Por isto a moça representa um perigo muito maior que um João
kleber ou um Otávio Mesquita.Por isto o meu ódio embasado e bem
intencionado.

Reparem:o ódio é didático, se analisado a fundo.Se você o disseca,
inexoravelmente vai aprender a origem de suas opções, de sua
orientação.O ódio o ajuda a se descobrir, e em se descobrindo, o ajuda a
combater aquilo que o enoja.Claro que certos princípios éticos
universais ajudam a ter em mente aquilo que se deve odiar e combater.Ou
seja, também é preciso certa cultura e certo discernimento para saber
odiar direito, para que o ódio seja didático e o ajude a melhorar o
mundo.

O ódio também é terapêutico, porque ele desafoga suas mágoas e
frustrações pessoais.Quando se odeia algo ou alguém com razão(critério,
sempre o critério), há uma sensação reconfortante de alívio moral,
porque você descobre suas virtudes ao mesmo tempo que se revolta
contra os vícios .Uma coisa depende da outra, entendem?

Portanto, odiemos bem, mas sempre com critério e sensibilidade na
escolha de nossos alvos, assim como fazemos na escolha de nossos amores.
E assim certamente contribuiremos na construção de um mundo melhor e
mais feliz.

 

 Escrito por Adrilles Jorge às 22h43
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2004-09-18 20:03:00

       
  

Ai, que preguiça!

Uma
pesquisa recente da ONU revelou que a maioria dos brasileiros(mais de
50%) trocariam tranquilamente a democracia por uma ditadura se esta
produzisse prosperidade econômica e social.

Não me espantou o
resultado.O povo brasileiro nunca deu bola para democracia ou
liberdade.É um ranço secular e incrustado nos brasileiros:a
dependência.O brasileiro comum não está acostumado a pensar por conta
própria, condição sine qua non da liberdade.É um eterno agregado.Por
mais livre que aparentemente tenha se tornado, o povo brasileiro
ainda cultiva um claro saudosismo do coronelismo, de uma relação
patriarcal e autoritária em que tudo lhes é dado.Não importa se este
”tudo” ainda seja pouco.O brasileiro médio é um preguiçoso.Tem
preguiça de pensar e portanto tem preguiça de ser livre.Prefere que lhe
passem a mão na cabeça e aguenta complacente os castigos que porventora
lhe afligirem, sem se preocupar com a causa da punição, se é que há
causa.

Uma contradição perene:preguiçoso que trabalha como um
burro de carga.Sua preguiça é de outra ordem, é uma preguiça
intelectual, espiritual até.Este fato por si já elimina a alcunha de
malandro que teria o brasileiro.O brasileiro é um preguiçoso néscio.A
antítese do macunaíma, personagem que constitui uma exceção e não uma
regra, com se pensa.

Disse povo.Bobagem.Não há povo no Brasil.Há
platéia.Brasileiros não têm consciência de povo.Se comportam como um
público bestificado que fica a mercê do melhor chamarisco, da melhor
propaganda.Tanto viciaram-se no próprio engano que até chegam a
gostar do engodo.Preferem que lhe digam o que fazer, como se comportar,
porque simplesmente pensam que é  mais fácil assim.E depois
usufruem da recompensa(?).Um imenso prostíbulo de venda de consciências.

E o que é pior, talvez tenham certa justificativa para se
comportarem assim.Foi a esquerda mesma que sempre rezou pela cartilha de
que o estado faz tudo, dando plena vazão a criação de um estado
autocrático,burocrático, corrupto, deformado.Ou seja, não temos povo e
ainda corremos o risco de anularmos o indivíduo, de esmagarmos a
iniciativa própria.O brasileiro fica assim eternamente à espera de que o
salvem, de que venha ”Godot” ou seja lá quem for que o redima, que
lhe dê conforto e proteção.É um eterno infante que não busca liberdade,
posto que esta lhe dá trabalho, mas que busca abrigo e colo.

Não
me interessa aqui fazer um estudo das origens deste estado de coisas.Já
passa da hora de ficar se lamentando pelo porque de sermos assim e
aprendermos a agir.Já passamos da puberdade, temos mais de 500
anos.Assim como a vida, a história é cheia de decepções, de injustiças.É
preciso ir em frente, ora.Não aguento mais ouvir justificativas para a
pusilanimidade do povo brasileiro que não protesta, que não se
manifesta, que não luta pelos seus direitos, e o que é pior, que se lixa
para ter liberdade ou não.Enquanto ficarmos esperando as ordens do
”nhônhô”, nunca sairemos do cativeiro.Eu sei, vivemos numa falsa
democracia, com liberdades limitadas pelo poder econômico e pela inépcia
de nossos governantes.Mas mesmo uma democracia rudimentar e precária é
melhor do que democracia nenhuma.Liberdade é o princípio básico para se
começar a fazer qualquer coisa.Isto deveria ser óbvio, mas o óbvio
parece ser obtuso para os nativos da terrinha.Preguiça de pensar, como
já disse.Preguiça de se libertar.

 

 

 Escrito por Adrilles Jorge às 19h23
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2004-09-18 19:58:00

       
  


A um artista em potencial

Um amigo avançou em minha direção com os olhos vidrados e
com um amplo sorriso estampado , me disse euforicamente: ‘Adrilles,
eu sou muito mais infeliz que você! Minha dor é muito mais profunda que
a sua!’ Eu sorri .Com um alegre entusiasmo destes, não poderia haver
infelicidade que lhe fizesse frente.

Este amigo, que tem certas inclinações artísticas, pensa que não
poderá realizar suas aspirações se não for uma pessoa sofrida e
amargurada, que a arte só nasce da dor.O trágico, para ele, é que ele
tem certa razão.E o mais trágico ainda é que –que ele não me ouça- ele é
uma das pessoas mais realizadas e felizes que já conheci.

Não existe arte sem dor, sem contradição, sem miséria humana.A grosso
modo, pode-se dizer que a arte nasce destes elementos.Pode parecer
masoquismo, e é mesmo.A estética de uma obra de arte é, na verdade,
a estética do masoquismo, do prazer catártico em contemplar o
sofrimento , a angústia humana.Claro que esta dor não vem sempre
refletida com as tintas carregadas de uma tragédia.A dor exposta pela
arte se apresenta sob várias formas: a ironia, o desepero, a
melancolia,o humor negro, a comédia, o sarcasmo, etc, etc.Todas
estas maneiras distintas de apresentar a perplexidade e incompreensão
humana diante da vida.Sim, o clichê é pesado, mas é a pura verdade(o que
é um clichê senão uma verdade repetida ad nauseum?)

Mesmo uma obra de arte que eventualmente celebre a vida não se
sustenta sem a presença de uma dor que perpassa a obra.Algumas telas de
Picasso, algumas sinfonias de Beethoven são exemplos viscerais neste
sentido.A arte sobrevive sem a felicidade, não sem o sofrimento.Arte sem
dor não é arte, é entretenimento.

Não há sexo sem dor, sem um elemento de
sado-masoquismo sempre presente.O ato sexual é por definição uma
violação, não?O mesmo ocorre com a arte:o prazer sádico do artista, o
‘’ativo ‘’ da relação que nos joga na cara o
sofrimento universal, e do contemplador, o ‘’passivo’’, o coitado(
na acepção literal da palavra), que somos nós, que recebemos, com mescla
de dor e prazer, a obra artística. Espectadores
artísticos,somos  tal qual  uma mulher complacente, ávida
pelo coito sadomasô que nos oferece uma obra de arte.

A rigor, acredito que há apenas três tipos de
sofrimento que eu respeito e julgo como tal:rejeição amorosa, pobreza
material e doença terminal.O resto é fricote.Meu amigo citado,
”infelizmente”,é endinheirado, vende saúde e se dá muito bem com
as mulheres.

Mas vejam só:Picasso era um homem aparentemente muito
feliz e realizado, o que não o impediu nunca de deixar de observar a
dor alheia(e a própria, claro) e transformá-la em arte.A
definição de ‘’antena da raça’’ cabe perfeitamente aqui.O exemplo é para
dar certo alento a este amigo meu, preocupado em ser infeliz para se
tornar grande artista.E se for mesmo necessário ser infeliz para fazer
arte, azar o da arte, ora.

 

 Escrito por Adrilles Jorge às 01h18
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2004-09-18 19:56:00

       
  


Pequenos monstros poliformes, como dizia Freud.

Sempre tive fascínio pela infância.Não no sentido comum do termo,
entenda-se.Não tenho enorme apreço por crianças e não sei lidar muito
bem com elas.O que tenho é inveja.

Explico:tenho saudades de um tempo não aproveitado, que não pôde ser
aproveitado, justamente porque não tínhamos consciência das delícias da
infância.O fascínio pela infância é, na verdade, uma saudade incontida
da amoralidade, de se saber livre de barreiras morais, sexuais e
éticas.É o desejo infelizmente contido de se tornar um amoral, o que
nunca consegui.Sou bom, entendem?Penso nos outros.Esta é minha tragédia.

Mas voltando ao ponto, reparem bem como toda criança é um desejo
materializado, em estado bruto e sem pudores.Reparem como , ao contrário
do que se diz, esta inocência não implica exatamente em candura, mas
sim no paraíso do egocentrismo sem culpas.Uma criança é um mundo em si.O
resto não passa de adjacência de sua própria personalidade, de seu
próprio reino.As crianças são doces ignorantes que ainda não aprenderam
que o outro não é um meio, mas um fim(que bom que elas ainda não leram
kant…).

Pois é.E daí vem a maturidade e o chato daquele filósofo vesgo
dizendo com razão. que ‘o inferno são os outros’.A infância é o paraíso
justamente no sentido de que o outro não passa de projeção dela mesma,
um meio de satisfação imediata.

Daí a contradição intrínseca do mandamento ‘amar ao próximo como a si
mesmo’.Todo o processo de educação implica em desaprender a se amar, a
partilhar o mundo(a descoberta;o mundo não é você), em destruir, em
estilhaçar o ego, que, pobre coitado, tem que se desdobrar em ids e
superegos para poder sublimar sua própria morte.Amar os outros como
sendo parte de si é muito mais agradável.A idéia de amor
como simples doação me parece desumana e cruel.Contra si mesmo,
claro.

Uma criança em estado adulto é  um psicopata, por
definição.Talvez o paraíso seja um lugar onde as psicoses sejam bem
vindas e permitidas, sem dano a ninguém.Um paraíso de egos e mundos
singulares, de autistas felizes.Aguardo ansiosamente por ele.

 

 Escrito por Adrilles Jorge às 13h32
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