É tudo verdade
Minto.Minto muito.Não por falha de caráter nem
desvio genético, mas pela minha condição que dizem ser a humana.Todos
mentimos desvairadamente ao longo de nossas vidas, seja por interesses
próprios ou mesmo coletivos.Sim, a mentira não é um mal em si e tem lá
seus valores , até mesmo altruísticos, eu diria. Mente-se por motivos
nobres, desde pequenas mentiras, como quando dizemos a um amigo feio e
limitado que ele tem lá suas virtudes de sedução, até por motivos
grandiosos, como quando damos um sorriso complacente de otimismo a um
doente terminal.
Os exemplos abundam e seria desnecessário desfiar o
rosário de pequenas e grandes mentiras necessárias. Mas a mentira também
é um fator de sustentação social.Sem hipocrisia, claro, não haveria
civilização, já dizia não sei quem com muita propriedade.Imagine se
todos nós nos falássemos a verdade sobre o que pensamos uns dos outros o
tempo todo?Não sobraria um ser vivo na terra.Quem já não quis esganar
um parente, um grande amigo ou uma namorada por certas diferenças? Mas
não esganamos; sempre é de bom tom darmos um sorriso complacente e
perdoarmos aquilo que não compensa a perda de uma amizade ou de um amor.
A sinceridade desbragada é um mal tão grande quanto a
mentira deslavada.Até por que a sinceridade é uma meta utópica.Ninguém
se conhece suficientemente bem para poder dar uma opinião precisa de si
mesmo, não?Então como podemos ser verdadeiros a respeito do que nos é
alheio?Posto que ninguém conhece a verdade sobre si, o conceito de
sinceridade torna-se primitivo.A plena sinceridade nada mais é que a
exteriorização de nossos instintos primitivos sobre nossas
impressões daquilo que intuímos.E em nome desta suposta
virtude, ‘’a sinceridade’’, chegamos a magoar pessoas e destruir egos.A
sinceridade , se não dosada e devidamente amestrada, nada mais é que uma
grosseria retumbante, originária de nossa vaidade em cuspir nossas
pequenas verdades pessoais a quem quer que seja. Sinceridade em excesso é
exibicionismo patológico.
Aprendi a duras penas que o único tipo de sinceridade
absolutamente possível só se dá no amor, no ato de amar.Quando amamos
alguém, somos forçados a sermos sinceros, a evidenciarmos nosso
sentimento.O amor é uma verdade primitiva que prescinde de explicações
lógicas, que fala por si; é a única verdade possível que , por
conseguinte, nos fornece o único meio real de sermos absoluta e
visceralmente sinceros sem exaltarmos nosso ego, sem prejuízo de
causa para a verdade, porque o amor é a única verdade que
existe(sinceridade e a verdade-em si- não são a mesma coisa).Justamente
porque amar é a única forma de se desprender do próprio ego, é a única
vez em que nos preocupamos mais com algo externo(o ‘’objeto’’ amado)que
conosco. E digo mais: este tipo de sinceridade, a do amor, em geral não
nos trás nenhuma recompensa.Ao contrário: nos expõe a fragilidade,
nos coloca nús, à deriva, à mercê da própria sensação de impotência, à
mercê da pessoa amada;é um tipo de sinceridade incondicional, que se
impõe a todos os que amam, por isto a única sinceridade
verdadeira.Acreditem-me, falo por experiência própria.Só se é sincero de
fato quando se ama.Estou sendo absolutamente sincero.