2004-10-24 13:39:00

       
  

A ressaca da entressafra

Nasci sob a égide de uma das piores
gerações da história da humanidade:a geração da ressaca da entressafra,
póstuma à deterioração dos valores e do pensamento, póstuma à própria
decadência.A falta do que dizer, o esgotamento do pensamento humano,
típicos de fim de século e mais aterradores ainda em fim de milênio são
as marcas da minha geração.Nenhum gênio, nenhuma inovação, nenhuma
revelação, no máximo algum talentinho aqui e acolá que repete algumas
coisinhas com estilozinho melhorado.No fim do primeiro milênio,
pensava-se que o mundo iria acabar.Esta era a crise.Hoje talvez o
problema seja a consciência de que ele ainda vai continuar, sabe-se lá
como.

O tempo é de marasmo e tédio.Depois da contacultura e
dos modernismos estéticos, dos descontrucionismos afins, vamos
construir o quê, afinal?Os anos 80 já foram um desastre absoluto, o
ápice da cultura pop, da cafonice generalizada, a década do ‘’yuppie’’
engomadinho e desencantado de quaisquer ideologias que estejam além do
próprio bolso.Os 90 foram piores, simplesmente porque não tiveram cara,
não tiveram definição.Neo- liberalismos se somaram a neo-esquerdismos de
universitários abobados que quando não participavam de passeatas ,
reivindicavam aumentos de mesadas ao papai.

É emblemático:quando há uma profusão de ‘’neos’’, é
porque não há nada de novo, a não ser o que é velho, remastigado e
piorado.Continuamos a viver na indefinição.O mais recente conceito que
se aplica aos últimos cinquenta anos é o ‘’pós-modernismo’’.Faltam
substantivos novos à nossa época e sobram pronomes de apoio(neos, pós)
para denominar o que não sabemos.

Ou melhor, sabemos sim, mas temos preguiça de
conceituar por aversão mesmo, por não vermos o vazio em nos enfiamos.A
tragédia da minha geração é o tédio, a letargia de querer descobrir o
óbvio ululante de que, na desconstrução dos sentidos, perdemos nossa
razão de ser.A humanidade se sustenta através dos sonhos , das ilusões,
representados pela arte, pela religião, pelas utopias, que há muito se
perderam no caminho.Olhar no espelho é incômodo hoje, porque dói
descobrir que envelheçemos mal.Todos nós.O botox que usamos durante
séculos perdeu a validade.

O tédio é um mal tão grande quanto o fanatismo das
verdades absolutas.Nosso tempo é uma nova idade média(na falta de novos
substativos…) às avessas.O excesso de informação criou a preguiça e
deu margem a um novo tipo de obscurantismo mais pernicioso que o da
idade média.Naquela época a ignorância era consequência das condições
históricas.Hoje a ignorância é uma escolha de uma maioria entediada e
preguiçosa.

A máxima socrática do ‘’só sei que nada sei’’ foi
deturpada.Deixou de ser uma condição primária para aquisição de
conhecimento para se tornar apologia da imbecilidade.Precisamos de um
novo Sócrates, menos sutil e mais incisivo.

  

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