Questões aparentemente estapafúrdias.Apenas aparentemente.
Não sei se é síndrome de Clarice
lispector, mas dia destes fui acometido de certos devaneios metafísicos
quando estava prestes a matar uma barata.
Esqueçam o lado aparentemente estapafúrdio da coisa e
pensem bem:por que damos tanto valor à vida humana e desprezamos outras
formas de vida?Não seria pretensão dizer que por sermos uma forma mais
elaborada de vida, temos a hegemonia sobre os outros seres?Não estaria
embutido em nós um certo egocentrismo de raça?A resposta à última
questão evidentemente é afirmativa e , apesar dos questionamentos
filosóficos , não hesitei em esmagar o inseto asqueroso.
Nós , humanos,não hesitamos em nos impor
afirmativamente como senhores do universo, sem culpa nenhuma.Os valores
de respeito à vida ,claro, se ciscunscrevem à vida humana. Não deixa de
ser um tipo de racismo elementar, mas tolerado e entendido por todos
como absolutamente normal. A dor imposta só causa mágoa ou
arrependimento quando infligida à um semelhante.Quer dizer, às vezes,
nem isto.
Até aí tudo bem.Mas precebe-se que as bases do
racismo e do egocentrismo humano têm suas raízes neste ponto.Até que
ponto as semelhanças se limitam a humanos e não humanos?Somos
diferentes uns dos outros.Se é justo estabelecer um escalonamento de
valores de vidas, então porque não seria igualmente legítimo escalonar
as própria vidas humanas em termos de raça, credo, inteligência, etc?Por
esta lógica ”peculiar”, um cão teria mais valor que uma barata, e um
intelectual mais valor que um operário braçal, por exemplo.
Arbitrário?Ora, se arbitrariamente damos mais valor à
um cachorro que a uma barata, por que não seria lógico supor que alguém
com dotes intelectuais não seria também superior a alguém desprovido
destes mesmos dotes?O exemplo estapafúrdio é aleatório, mas é uma
pequena amostra de que um sistema sócio político como o nazismo pode
surgir de conclusões aparentemente banais como esta.
A verdade um tanto indigesta é que vivemos com um
certo instinto homicida permanente, nem que seja pelo prazer da morte de
uma barata.A competição é um elemento básico da natureza, e competição
pressupõe vitória e derrota, que são eufemismos para sobrevivência e
morte.Darwin estava com a razão:o mais forte sempre sobrevive. O sentido
de ‘’força’’ aqui á empregado como poder, e este poder pode variar
deste o poder físico que temos sobre uma simples barata, passando pelo
poder do conhecimento de um ser humano sobre outro, até o poderio
econômico que alguns povos exercem sobre outros.
A questão se limita estritamente a isto:a sobrevida
de uns, que detêm o poder, sobre a derrota, a morte de outros.Esta é uma
das bases rudimentares que sustentam todas as formas de vida.Mas estão
aí Cristo, kant e inúmeros outros que tentaram reverter esta natureza
agressiva e competitiva do ser humano.A culpa, neste sentido, tem sim,
um freio limitador a esta competição desbragada em que nos metemos
consciente ou inconscientemente.Sim,sermos um forma superior de vida nos
traz certos dissabores como aquilo a que chamamos consciência, que pode
ser melhor aproveitada, para que talvez um dia possamos melhor tratar
baratas, cães e seres humanos.