Valores
Quanto vale um sorriso forçado, um aceno a uma
criatura detestável?Quanto vale um abraço em um parente chato ou um
tapinha nas costas de um patrão carrasco?Pouco ou muito? Todos nós já
nos vimos em um tipo de situação parecida, em que nos vendemos, ainda
que a baixos custos, em troca de alguma coisa.
Compra e venda não pressupõem apenas o uso específico
de dinheiro, que é apenas um símbolo, um bem artificialmente produzido
para representar o eterno escambo que é o relacionamento humano.Todos
vendem e compram alguma coisa, trocam algo em troca de outra coisa.Jogo
de interesses.Canalhice isto tudo?Sei lá.Mas é a natureza humana como
ela é.Não é por acaso que o capitalismo é o sistema que mais se parece
com a própria natureza humana, que mais se molda ao espírito de
competitividade inato em todas as pessoas.Prostituição é apenas a
manifestação mais crua e direta deste jogo de interesses.Menos hipócrita
talvez e por isto mesmo mais incômoda de se ver.
A prostituição nossa de cada dia se dá no
cotidiano, nos pequenos gestos de adulação, nos sorrisos complacentes,
nos apertos de mão obrigatórios.Todos somos mais ou menos
prostitutos.Mesmo em termos ditos nobres como a amizade, por
exemplo:aqui a prostituição implica uma troca de favores, de
cavalheirismo , de elogios e de gentilezas que provocam uma mútua
massagem de egos.Prostituição é apenas um nome canhestro dado a uma
prática comum que marca um dos pilares do relacionamento humano.
Querem um exemplo mais forte ainda? O amor.Sim, o
amor mesmo.Compra-se diariamente o amor do objeto amado(nome exato,
aliás) através das carícias , ternuras e afetos obrigatórios.Sei, parace
estranho falar em obrigação quando se fala em um sentimento puro.Mas
senhores, todos sabemos que um amor não vive sempre de êxtases e picos
orgásticos o tempo todo.O cotidiano mina paulatinamente qualquer tipo de
poesia.A construção de uma relação amorosa se dá por compras e
vendas(mais uma vez) de sorrisos , gestos , declarações, etc.Pode ser
uma obrigação deliciosa até certo ponto, mas ainda assim é uma obrigação
para que se mantenha o amor.
Não há ilusões quanto ao fato de que a humanidade é
um mercado.Mas isto não é de todo mal.Há valores interessantes também,
como a verdade(o que tento fazer aqui.Tento), a generosidade, a
gentileza, e, entre outros, o próprio amor também.Todo o aspecto
aparentemente politicamento incorreto do que digo não passa de um
aspecto terminológico.O que se pode fazer(e não há outra escolha) é
lidar com estes mesmos valores, tentando não inflingir as leis do
mercado.Poderiam ser chamadas de ética estas leis.Mas é aí é que a coisa
se confunde.Não há, a despeito de certas convenções, regras estritas
que regulem este mercado.Não há estado existente que possa regular as
ações e, por conseguinte,possa controlar o escambo dos valores
humanos.Tudo ou quase tudo é relativo neste mercado humano.A humanidade é
o verdadeiro sonho dos liberais, o paraíso do liberalismo, onde não há
estado mínimo, não há estado nenhum, onde as ações não necessariamente
valem o quanto pesam e todos são livres para tirarem o proveito e o
lucro que quiserem de todas as situações possíveis.Os valores se
confundem nesta selva de investidores que somos todos nós.Sim, nós
mesmos:investimos agressivamente , o tempo todo em nossos amores,
em nossas relações, em nossos filhos, em nossas amizades, em nossos
destinos.Não temos outra escolha.Viver é investir infinitamente.
Mas há , neste mercado selvagem, uma lei triste , quase abjeta, mas
indelével.Assim como no capitalismo, a vida humana tem perdedores e
vencedores.E todos sabemos que o número de perdedores no mercado(humano e
financeiro) é infinitamente maior.Para cada vitória, há um milhão de
fracassos.Mas esta lei talvez seja a única que não se molda exatamente
ao espírito capitalista em todas as suas nuanças.Explico:a vitória e a
derrota de que falo são metafóricas, dizem respeito a valores fixos
de bem estar.E é aqui que a coisa se complica novamente.Se os valores
são relativos, então vitórias e derrotas também são relativas,
dependendo do lucro que se obteve neste mercado que é a vida.Não deixa
de ser um consolo para aparentes perdedores, que talvez ganhem alguma
coisa no final das contas, ou de acordo com os valores, ganhem tudo
fracassando onde outros (também aparentemente) ganham.
Também não deixa de ser uma ironia que o mercado capitalista,tal como
ele é, sem este negócio de ‘’vida’’ no meio, só seja concreto porque se
baseia em um bem simbólico como o dinheiro. No mercado humano, não há
simbolismo possível:tudo é o que é, e nem sempre o que é aparenta ser
exatamente o que é.Complicado?Pois é, não basta estudar economia de
mercado para entrar no mercado de valores humanos…