2005-01-06 20:21:00

       
  

Da arte e da necessidade de falar mal

Tese repetida repetidas vezes que diz que falar mal é
fácil, que polemizar é fácil;basta soltar os cachorros e uns esgares de
odiozinhos e sorrisinhos irônicos e pronto:os holofotes se acendem e os
aplausos fáceis abundam.Me enchi de ouvir este tipo de
coisa.Difundida(com mais pobreza verbal, claro) por intelectuaizinhos
assépticos e ocos como José Wisnick, jornalistas cordeirinhos como Caio
Blinder(ex-‘’sparring’’ de Paulo Francis) e ratificada por gente com o
estofo moral de um Gugu Liberato.Bobagens tediosas como a que diz que há
que se recuperar os valores nacionais,o sentimento de grandeza de um
povo , de uma raça, ou de sei lá o que.Já não dou conta mais de ouvir
este tipo de coisa.Saturei.

Primeiramente, falar mal não é para qualquer
um.Requer talento, estilo e critério.Ofender é uma arte que envolve
sutileza, perspicácia no julgamento e muita ética.Não se sai falando até
da própria sombra como cão raivoso, só pelo bel prazer de mostrar a
linguinha para todo mundo.Isto é coisa de adolescente rebelde espinhento
com piercing no nariz e de senhoras histéricas com calores de
menopausa.Não, há que se escolher o alvo, que se ter a delicadeza de
arrombar somente o que ou quem merece ser esculhambado.Chutar cachorro
morto é covardia.E também não basta morder a canela de gente graúda.Tem
de saber envenenar com lentidão, de torturar com malemolência e
jeitinho, e depois dissecar o cadáver com calma e certa gentileza.Falar
mal não é fácil e não é coisa para amadores.

Fácil mesmo é o elogio, a apologia, mães da adulação,
do compromisso, do rabo preso, pilares da nossa cândida cultura
tupiniquim, que desde Gilbertro Freyre, tenta desmesuradamente adocicar
os matizes e sabores nacionais.O Brasil deveria ser um exemplo da mal
falação.Os podres são tão vastos que deveriam ser deletados pela língua
num contínuo infinito.A negação é o caminho primeiro para a purificação
da alma.Deveríamos dar o exemplo e fundar uma escola do mal falar, cujo
objetivo seria o de chutar os pés de barro de todas as
instituições.Polemizar não é só fazer gracinha, mas um exercício moral e
intelectual nobilíssimo.Os perdigotos de uma polêmica são os
culhões de um povo, de uma sociedade.Tenho horror a estes conceitos,
‘’povo’’, ‘’sociedade’’,e só acredito neles quando são auto negados.Aí
então quase me emociono ao descobrir que a única identidade coletiva só
pode aparecer através do contraste alimentado pela porrada metafórica,
pela iconoclastia, pela violência verbal que destrói os clichês, que
lapida a verdade.Ah, a verdade não existe?Então que não sobre nada, ora
pois.Que as únicas coisas remanescentes sejam sorrisinhos irônicos e
sarcásticos mesmo.Pelo menos assim ninguém se levará tão a sério.

Levar-se a sério é a causa primitiva de todos os
males.Todos, eu disse.Por isto tenho arrepios, engulhos quando ouço
alguém mencionar valores individuais ou coletivos.Me soa auto afirmação
de adolescente.Os valores, se existirem, surgem naturalmente, não
precisam ser berrados na esquina.Já os vícios agem sempre na surdina, e,
de uma maneira ou de outra, sempre prevalecem.Duvidam?Dêem uma
olhadinha na história da humanidade…

Por isto falar mal é um bem mais que necessário, mais
que urgente.Falar mal é um exercício de civilidade, de amor ao
próximo.Só se lava uma herança maldita cuspindo e pisando nela.Toda
sociedade que se preza deveria ter a grandeza da auto destruição.Assim ,
quem sabe, se contrói alguma coisa que preste depois de tudo que foi
destruído, de toda a lama deixada para trás.E se a coisa apodrecer de
novo?Pau em tudo novamente.Mas sempre com carinho , claro.E com todos de
mãos dadas, que somos cordatos e gentis.Ora, não estamos mais na
pré-história, embora às vezes tenhamos um sentimento nostálgico em
relação ao uso do tacape.

  

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