A estética chiquérrima da fome
A
base de todas as culturas são os estereótipos.Desde nações, grupos
étnicos, tribos até grupinhos adolescentes, o estereótipo, o clichê é o
padrão, a massa de qualquer cultura.O meio mais adequado em que grassa o
estereótipo é a indústria da moda, onde impera a pseudice e a
peruagem.Ora, não chega nem a ser uma crítica ao império da moda dizer
que ela é estereotipada e que promove o estereótipo, uma vez que ela se
molda no superficial.Mas a questão é que a coisa extrapola e está
tomando proporções tragicômicas.
O
problema dos modistas(estilistas, costureiros, sei lá) é que eles se
levam a sério e se consideram artistas.A palavra ‘’arte ‘ é a mais
conspurcada em nossos tempos.Criação e bom gosto apenas não produzem
arte.Arte diz alguma coisa, provoca alguma coisa que o leva a uma
compreensão(ou confusão mesmo) maior em relação a você mesmo e o que o
circunda.Duas saias e um bermudão não causam este tipo de efeito.
A
moda saiu de seu humilde lugar de reflexo de comportamento de uma época
para se tornar a ditadura do comportamento.Não é de se estranhar que
vivamos em uma das épocas mais fúteis, estéreis e superficiais da
história humana.Afinal de contas, a falta de conteúdo se preenche com a
superfície.Ou seja, é a glória para os estilistas e sua ‘’arte’’ do
nada.A imaginação dos rapazes, com o ego inflado pelos ventos do nada de
nossa era, voa.Burcas ,adereços de terroristas ganham glamour na
passarela, trapos esfarrapados pontificam como a iconografia do chique
de ser miserável…Enfim, o caos ganha um tom blasé para o estilismo
profissional.
A
lógica do mundo da alta costura é exatamente esta:tornar superficial a
tragédia humana, dar pinceladas de rosa-choque em tintas fortes e
dramáticas.Não existe drama na ‘’arte’’ da moda.Tudo é comédia de
costumes, evidentemente paga a altíssimos custos,e tão valiosa como um
quadro de Picasso.
Ah,
as intenções sócio-políticas da moda não se impõem apenas no
vestuário.Reparem nos corpos das modelos e vejam como estão cada vez
mais anoréxicas, lembrando a fome da Somália e da Etiópia.Segundo a
moda, também é chiquérrimo passar fome.E mais chique ainda para uma
mulher é ter um corpo que mais parece um esqueleto, sem curvas, sem
carne, sem nada.Eu, ínfima minoria, ainda acho humildemente que são a
curvas que definem a sensualidade feminina.Tenho esta mania besta e
heterossexual de ainda gostar de seios, quadris salientes, coxas grossas
e outras variações deste gênero em extinção:a mulher opulenta.Mas quem
sou eu diante do gosto ‘’metrossexual’’ dos estilistas que impõem sua
estética pós-moderna e famélica às mulheres… Tenho esta mania besta de
continuar preferindo(milhões de vezes, aliás) uma Monica Bellucci a uma
Gisele Bundchen.
Com
esta estética da fome, os estilistas querem tirar aquilo que a mulher
tem de mais de valioso, que não só define sua feminilidade como a sua
personalidade:a curva.Querem transformar as mulheres em tábuas retas,
sem ambigüidade de corpo e de personalidade, em robôs que seguem à risca
os ditames comportamentais e estéticos dos estilistas,que, diga-se de
passagem, não costumam gostar muito das moças…(quem sabe não seria um
espécie de vingança?).
Mas
enfim, moda é isto mesmo.Imposição de valores físicos e
espirituais.Aliás,cortam o espírito, esta coisa ‘’demodé’’, pela raiz
até sobrar só o corpo, ou melhor, o osso.O mais irônico de tudo é que
qualquer estilista quando perguntado sobre a ditadura da moda, argumenta
que não, que a liberdade e o bom senso de cada um é que delimita o que
se deve usar.’’A palavra de ordem é individualidade’’, dizem
eles.Individualidade, claro, mas devidamente etiquetada com um Karl
Lagerfeld legítimo, e desde que se tenha 1,80 de altura e 45 quilos.