2005-02-25 22:10:00

       
  

Concurso de verdades

Jornalismo é como religião.Ambos se arrogam o direito
da revelação, da verdade absoluta.Com um adendo: a religião escancara
esta sua pretensão, o jornalismo se coloca como humilde observador da
realidade e modesto revelador da verdade;enquanto a verdade para a
religião se coloca em um nível aristocrático, onde só os eleitos ou
aqueles que querem ver alcançam a verdade, o jornalismo é mais do povão,
mais democrático e desnuda sua verdade particular a todos.Não precisa
fazer esforço algum nem esperar a revelação ou qualquer luz para
enxergar a verdade do jornalismo, até porque esta verdade jornalística
geralmente vem de porões bastante escuros.

Verdade por verdade, prefiro a religiosa, que assume
sua pretensão e aristocracia(verdade para ‘’os eleitos’’) que a verdade
democrática do jornalismo.Ambas são evidentemente verdades tendenciosas e
fruto da imaginação de seus construtores.Mas pelo menos a verdade
construída pela religião não dá maiores explicações de sua fantasia, de
seus artificialismos.Assim, o populacho acredita naquilo que não entende
e continua agindo da mesma maneira, esperando que a verdade dos eleitos
chegue até eles.A verdade jornalística é mais perigosa, porque é
acessível e colocada no mercado de valores.Claro, qualquer ser sensato
sabe que verdades absolutas não existem e que as que aparecem por aí são
recortes da realidade ou da fantasia mesmo de seus
autores.Infelizmente, não existem muitos seres sensatos por aí.

 

Mas a verdade é que a Verdade é criação, é
ficção.Como a verdade jornalística se circunscreve ao que é palpável(e
não fala do além, como a da religião), a coisa se complica.Nada mais
escorregadio que a realidade, talvez mais ainda que o além.Jornalismo
pressupõe a investigação e apuração dos fatos, mas não existem fatos
brutos.Todo e qualquer fato ou a somatória de quaisquer fatos são
versões de quem os apresenta.Até uma imagem fora de contexto é uma
versão de um fato, e não precisa ser comunicólogo para saber disto.Tudo é
versão, como são versões as diferentes explicações teológicas de
qualquer religião.Mas quando se fala em realidade, estas versões tomam
uma proporção maior e mais imediata que influi diretamente na vida das
pessoas.E este é o ponto:por trás de sua humilde posição de
distanciamento dos fatos, de apresentar a verdade objetiva da
realidade(em tempo:objetividade não existe.Ponto final.), o jornalismo
mascara as intenções de quem apresenta os fatos.Por isto sou a favor que
aconteça uma inversão completa nas regras do jogo:que o jornalismo
opinativo prevaleça sobre o investigativo, sobre o descritivo, que se
propõe arrogantemente a descrever os fatos.Todo o jornalismo deveria ser
opinativo, que é o único tipo de jornalismo possível, em concordância
com uma busca ética do que poderia ser a realidade, porque a realidade
não se alcança, assim como nunca se alcança o que quer que seja a
verdade.Até a apresentação de um buraco de rua implica em nuanças
subjetivas de quem o descreve, de quem o apresenta.Tudo, absolutamente
tudo é subjetivo.

Me formei em jornalismo com outras pretensões, de
apresentar um determinado ponto de vista, de um determinado julgamento
do que via e vejo ao meu redor.O que fazem hoje as redações é apresentar
uma determinada visão da realidade que vai de acordo com os
pressupostos da linha editorial da empresa.Esta escola da objetividade
que está aí é , de fato, a escola de imposição de meia dúzia de pontos
de vista que incutem a fórceps na cabeça de estudantes de
comunicação.Sejamos sinceros, as pessoas já não são, em sua vasta
maioria, propensas a pensar por conta própria.O que se poderá dizer de
um monte de estudantes de comunicação amestrados e ensinados a pensar em
uníssono, de maneira padrão?

O que sempre me fascinou na realidade( e divertiu também) foi a livre
concorrência de verdades, verdades estas que não passam de pontos de
vista, de modos subjetivos de perceber os arredores de um centro que
também não existe.Sempre apreciei as verdades mais belamente compostas,
mais poeticamente explicadas, o que sempre me aproximou da arte, talvez a
forma mais próxima do que quer que seja a verdade(falo de arte, não de
entretenimento).A verdade, caríssimos, no fundo não passa de uma questão
estética.Penso que até mesmo Sócrates,também no fundo, sabia disto.O
que se vê hoje em dia é a padronização de meia dúzia de verdadezinhas
opacas, gastas, remoídas, sem viço e sem sabor.Por isto mesmo, o mundo
anda tão sem graça.

  

2005-02-22 22:35:00

       
  

De primeiras e últimas

Inícios são inexoravelmente constrangedores.Não deveria haver
primeira vez em sexo, em amor, em comida, nem em nada.Como um milagre
metafísico, tudo deveria se transformar em rotina instantaneamente.
Primeira vez envolve inexperiência básica, falta de saber o que
fazer.Reparem, qualquer início mata de vergonha.O pirralho imberbe e
cravado de espinhas que não sabe onde por a mão(ou outra coisa) no lugar
quando tem sua primeira experiência sexual, o patético e pavoroso
primeiro poeminha de um poetinha em potencial, a primeira vez que se
come escargot, a primeira vez que se é rejeitado.

Não à toa, nascemos nos esguelando, berrando por vir
ao mundo a contragosto.Conhecer tudo de cara é um acinte para quem está
acostumado ao aconchego do ventre materno.(sejamos didáticos e
elementares:esta é uma metáfora primária que quer dizer o seguinte:não
há primeira vez que não seja traumatizante e difícil;se dependesse de
todo mundo, todos ficariam eternamente na barriga materna, o que seria
uma solução para a humanidade inteira:um bando de mulheres barrigudas
sem nascimento, sem gênese.É uma saída covarde, eu sei, mas ainda assim
tentadora:o eterno permanecer no ventre materno, até que apodrecêssemos
de conforto e sono dentro das barrigonas, e morressem as mães em
potencial também de tanto serem paparicadas por parentes e amigos , de
tanto carregarem um feto que teimaria em não nascer, como está quase
morrendo este parênteses que teima em não se abrir como uma barrigona
que teima em não liberar o pimpolho.Seria uma saída covarde e que
provocaria a extinção da humanidade, mas ainda assim(por que não?)(Outro
parênteses dentro do parênteses)(Deus…), ainda assim extremamente
edificante(outro:de um nada, talvez).Fim de parênteses, fim de barriga
protetora).

Ah, mas não adianta, teimamos em nascer, em conhecer
tudo, em quebrar a cara até saber que toda primeira vez é
igual.Deslumbre, choque e decepção.Estas três palavrinhas que definem
toda uma vida.Mas não se aprende, ninguém aprende.Maturidade não existe,
maturidade é morte, apodrecimento(outra metáfora básica:mas esta eu não
explico não).Maturidade mesmo é saber que somos eternos meninotes,
enfiando o dedo onde não se deve, colocando na boca o que não se deve,
experimentando tudo pela primeira vez, tudo feito desesperada e
atabalhoadamente.Tantas primeiras vezes que redundam sempre nas três
palavrinhas.Vale a pena redundar, não seria a primeira vez:deslumbre,
choque e decepção.E por aí vai, até chegar uma última vez que talvez
revelará a primeira vez fatal(ou não):a primeira morte, o primeiro fim,
ou talvez o primeiro começo de fato.

PS:Texto meu  feito sob encomenda para o blog www.cincocontraumtema.blogspot.com

  

2005-02-18 22:38:00

       
  

Introdução à obviedade

Ali, onde as verdades absolutas escorrem pelo ralo
podres, gastas pelo uso de mãos indevidas
ali, onde  ninharias tergiversam por falta de assunto
até serem varridas de vez
como poeira de construções mortas

Lá, onde se ama direto, sem viés, sem tangentes,
sem jogos de dados, sem encruzilhadas,
onde se ama como se respira diafragma contínuo
natural e involuntário que prescinde
da abertura de caminhos em meio a mata fechada
Espelho coletivo refletido em uma só íris

Paraíso próximo, a um passo do toque,
impedido pela paralisia dos membros
pelo cansaço dos olhos baços, pela gangrena
acumulada em atemporalidades de letargia
Paraíso equidistante entre razão esmaecida e inação consignada
feito longe pela preguiça entranhada
em pernas já corroídas pelo tempo desperdiçado, pelo andar para trás

linha reta entortada pelo peso dos entulhos de um passado sempre presente de máculas, de passos cegos
guiados pelas vozes da turba sempre ciosa e orgulhosa dos códigos de sua estupidez calculada

Oásis visível, maior que o próprio deserto que o circunda
obliterado pelo uso das vendas voluntárias,
pelo correr atrás das próprias sombras como forma de salvação.

Suave gosto de frutas campestres e delícias ao longe.
Longe,ainda que tão perto.

Aqui,onde toma-se o deserto periférico pelo centro
Aqui, onde toma-se a caverna pelo lado de fora
Pouco ou quase nada a ser feito neste lugar nenhum
Nada, a não ser um passo.

 

  

2005-02-15 21:18:00

       
  

Vade retro

Mais um padre foi hoje condenado por
pedofilia.Como de praxe, a igreja fez de tudo para abafar o caso e
tentou como pôde livrar a cara do dito cujo.Os argumentos são os de
sempre:atire a primeira pedra quem não tiver pecado, errar é humano,
etc.Bem, pelo menos , o padre não era nenhum Michael Jackson, ou seja, o
padre era de fato humano.

Errar é humano sim, mas persistir no erro é burrice
ou canalhice mesmo.Pior ainda é incentivar o erro.Não precisava nem
Freud dizer que quanto mais repressão, mais perversão, que o negócio
chega a ser gritante de tão óbvio.Trancafiar um monte de garotos em um
seminário e adestrá-los a ponto de não quererem nada com os vícios da
carne é o mesmo que criar um monte de pervertidos reprimidos.Em primeiro
lugar, é desumano privar um homem do convívio das mulheres.Não falo
apenas no sentido sexual.Mulheres são seres humanos melhores, ainda que
mais perigosas e complicadas, e talvez por isto mesmo, melhores.Muito
homem amontoado, muita testosterona junta não pode resultar em boa
coisa.Não vou entrar em casos de abuso sexual.Até porque tão grave para a
formação sexual de alguém como o abuso é a proibição do sexo.A
tentativa de poda total dos desejos sexuais é a pior tortura a que
se pode submeter um ser humano.Enquanto o celibato não for abolido de
vez e a igreja não rever seus conceitos machistas e castos, ela estará
incentivando sim a criação de pervertidos sexuais de toda a espécie,
ainda que de maneira enviesada.

A igreja deveria se restringir aos assuntos dos
espírito e deixar os do corpo em paz.Cada um é dono de sua ‘’morada’’,
para usar o palavrório católico.Cada qual toma conta do que é seu, no
jargão popular.A nhaca foi a igreja ter juntado corpo e espírio, fazendo
uma mistureba teológica indigesta de corpo celestial, carne e espírito,
pecado contra a castidade, pecado da carne, dando a entender que sexo
seria uma espécie de contrário do amor.Ora, uma coisa é uma coisa, outra
coisa é outra coisa, como dizia o filósofo.Sexo independe de amor e
vice versa(podem se juntar , mas aí é outra história).Já passa da hora
da igreja parar de se comportar como tia velha puritana e ditar
comportamentos sexuais.Que ela cuide do mundo de lá, e deixe o terreno
em paz.É ótimo que ela contribua para obras sociais e assistenciais, mas
que se meta na vida íntima dos outros já é indiscrição, falta de
educação mesmo.

A igreja erra.E erra bastante.E demora para admitir
os erros.Quase sempre, admite tarde demais.Mandou uns bons milhares
para a fogueira na inquisição com a pecha de serem
bruxos;vendia indulgências como entrada para o reino dos céus;demorou
mais de trezentos anos para absolver Galileu Galilei da condenação de
heresia.Para se ter uma idéia, só em 1983 ela admitiu que a terra era
redonda e que não era o centro do universo.Infelizmente, o pobre Galileu
já não era vivo para comemorar.E ainda é teimosa e insiste em meter o
bedelho em assuntos que não lhe dizem respeito.Ainda quer impor a versão
de que Adão e Eva começaram tudo e olha torto para Darwin.Cisma de dar
palpites científicos com base em anjos e serafins.E o que é pior:é
machista.Acredita nesta bobagem que só os homens podem catequizar e
doutrinar as ovelhas.Não satisfeita, ainda quer castrar 
pastores e ovelhas e tranformá-los em seres beatíficos e
assexuados.

Não dá para esperar mais trezentos anos para que a igreja tome
tento e perceba que as pessoas gostam e precisam de sexo, para se
mancar e perceber que pecado mesmo é todo mal que se faz a um
semelhante.Mal como o sexo forçado a uma criança, por exemplo.Mal como a
proibição do sexo, mal como a castidade imposta.Mais outros trezentos
anos deste jeito e é possível que os próprios pedófilos e tarados tomem
conta do alto claro.Aí só Deus sabe o que poderá acontecer…e que Deus
nos ajude então.Amén.

  

2005-02-12 17:31:00

       
  

Homenagem quase necrófila a um quase sucesso

Pior que o fracasso, só um quase
sucesso .O maior exemplo disto é o bateirista Pete Best.Quem mesmo?Best
foi o bateirista original dos Beatles que foi despedido no começo da
carreira do grupo e substituído por Ringo Starr.Amargou anos de
ostracismo, de esquecimento, e o que é pior:sempre lembrado a todo
instante do sucesso que quase teve, da fama que quase alcançou.A
tragédia de Best se resume nesta palavrinha:’’quase’’.Imaginem o pobre
sujeito tentando se esquivar do tormento do seu quase sucesso que lhe
foi podado pelo destino.Imaginem Best tentando fugir da imagem de
sucesso avassalador dos Beatles que o perseguia;o pobre sujeito se
escondendo lá no Tibet , escutando mantras e fazendo Yoga, quando um
desavisado ligava o rádio e tocava ‘’help’’ do seu lado.Pobre Best.A
vida não lhe foi leve.E o que é pior:que eu saiba, o homem ainda vive, e
continua sendo perseguido pelas canções do grupo aonde quer que esteja.

Não por acaso, Best tentou o suicídio várias vezes.Já
é duro sobreviver de passado, mas é trágico viver de um passado quase
consumado, de uma expectativa do que poderia ter sido e não foi.Best se
transformou na sombra de uma possibilidade frustrada.Mais humilhação que
isto eu não poderia conceber.O pobre não pôde sequer fugir de seu
pesadelo, já que a música dos Beatles permanece até hoje.É duro.

Mas não riam com sorrisos de escárinio nem tenham
tamanha pena do pobre Best.No fundo, ou na superfície mesmo, todos
sobrevivemos de certas expectativas frutradas, de certos sucessos não
consumados.A expectativa é nosso motor, e a expectativa não sobrevive
apenas do futuro, do porvir, mas também do que poderia ter sido.Este
negócio de aprender com o fracasso é balela politicamente correta.A
derrota, a dor não nos ensina nada, a não ser o fato de que o fracasso
pesa e de que a dor ‘’dói’’.Sim, sim, toda perda tem um gosto de
redundância ridícula, de pleonasmo patético.Aprendemos que a vida não
tem critério ou sentido, e este é o único aprendizado concreto que o
fracasso nos dá.Sublimamos as perdas, mas não as esquecemos nunca.

Ainda mais doloroso que o fracasso é observar o
sucesso dos que nos circundam e que julgamos ser menos merecedores do
sucesso do que nós.É mesquinharia, eu sei, mas todos nós já tivemos este
tipo de sentimento pernicioso entranhado em nossa pele.Ele cresce e se
alastra como um câncer, o qual aninhamos e cuidamos com zelo, e se não
tivermos cuidado, toma conta de todo o nosso organismo.

O tal câncer cresce ainda mais quando constatamos
cruamente que o sucesso de uns e outros realmente não é merecido e que é
outra balela este negócio de dizer que há espaço para todos.Não há.Os
espaços são na maioria preenchidos por gente que não mereceria estar
aonde está.Não acham?Dêem uma olhadinha na mídia e tenho quase certeza
que em pouco tempo concordarão comigo.Neste sentido, até mesmo o pobre
Best é mais feliz que todos nós.Pelo menos ele perdeu a chance para
gente talentosa, para gente merecedora do sucesso que fez.E os pobres
coitados que têm certo talento(não precisa ser muito não…) e que são
substituídos por Gugus Liberatos, Xuxas, cantores de funk, escritores
medíocres, apresentedoras de tv que(por acaso, por acaso…) dormem com
os patrões.É duro, é duro.

Pete Best foi uma vítima do acaso, não tem a quem
culpar, coitado.Mas nós todos(Nem todos.Os que têm algum talentinho,
digo) somos mais coitados ainda.Temos a quem culpar e sabemos a quem
culpar mas não fazemos nada.Por descencanto, incompetência ou por não
haver nada o que fazer mesmo.

Talvez o sucesso de hoje seja o anonimato, haja vista a gentalha que
infesta os meios de comunicação.É o que sinto toda vez que ligo a
televisão ou abro um jornal nos últimos anos.Bem, mas aí já não serve de
consolo ao nobre Best.Mas que este artigo já lhe sirva de modesta
homenagem a um ‘’quase’’ bem sucedido.O mais famoso dos ‘’quase’’,
aliás:mr. Best.Ainda que de uma maneira perversa, já é alguma coisa…

  

2005-02-04 19:57:00

       
  

À espera

Pausa para descanso.Carnaval, semana santa, São
João, boi bumbá e sei lá mais.O Brasil é uma pausa permanente.Esquecemos
o passado, abstraímos o presente e vivemos do futuro,
sem lembrar que este é construído atrvés dos outros dois tempos
mortos em nossa cabecinha .Talvez não por acaso, pouco tempo depois
de ter dito que o Brasil era o país do futuro, o escritor Stefan Zweig
suicidou-se.Não deve ter suportado a espera por um tempo utópico.Tamanho
hiato entre um começo inexistente e um fim invisível é um nó metafísico
mais que insuportável para a cabeça de qualquer um.

O Brasil vive eternamente à espera de dias
melhores.Se engana facilmente, vota em utopias furadas, acredita em
promessas estéreis, se revolta, mas sempre volta ao ponto de partida da
esperança vazia.Não move uma gota para dar um passo adiante, sobrevive
de suas ilusões de porvir baseadas em sua fé cega.É um ranço eterno do
catolicismo entranhado no sangue e nas almas dos nativos da terrinha: a
contemplação, a espera que chegue do céu o milagre.Muitas testas já
foram rachadas por este vislumbre das alturas, mas não adianta.O
brasileiro é um bravo:insiste em esperar permanentemente de braços
cruzados.Somos um povo que tem horror à ação.Nossos maiores personagens
literários são Brás Cubas e Macunaíma, heróis da ociosidade.Só nos
esquecemos(a maioria, leia-se) de tirar proveito do trabalho alheio,
como estes mesmos personagens.Por falsa desonestidade ou por
incompetência mesmo.Somos explorados e ainda temos a pretensão de nos
proclamar ‘’malandros’’.Somos ingênuos ociosos e apalermados.Crédulos
infantis, acreditamos em nossa suposta esperteza e malemolência e
confiamos crédito à nobreza de gente que é mais suja que pau de
galinheiro.Malandros.Sei…

O brasileiro é como um mal amado, um apaixonado
platônico, sempre à espera da mulher amada, que o despreza, o espezinha,
o ridiculariza.Mas não abre mão de achar que um dia ela ainda será
sua.Como todo apaixonado, o brasileiro é um tolo.Como todo apaixonado
não correspondido, o brasileiro é um tolo trágico.Porque não consegue
deixar de sentir o que sente pelo seu objeto de desejo, porque não
consegue deixar de perseguir o sonho de obter este objeto de
desejo.Patético porque não sabe os meios para se obter este mesmo objeto
de desejo.Sem opção, continua desejando a sua ‘’mulher amada’’ sempre
inacessível, sempre distante, rindo do pobre pierrot ridiculamente
esperançoso.Aparentemente(um eufemismo aqui) esgotadas suas chances,
resta ao Pierrot tupiniquim esperar e fazer de sua espera a sua vida,
construir seus sonhos em sua esperanças vazias e preencher estas mesmas
esperanças de confete e serpentina.Já confuso, o brasileiro confunde a
espera mesma com a ação, e toma a pausa pelo seguimento dos fatos, toma o
carnaval pela realidade;constrói uma festa artificial e supre a sua
criada realidade(ou falta de) com seus desejos quase exauridos, mas que
não se exaurem nunca.

O brasileiro torna-se assim mestre em substituir a
realidade pelo sonho, a roupa pela fantasia, e sobrevive desta maneira,
de ilusão em ilusão, vez em quando topando em uma pedra dura demais como
a enfadonha realidade que teima em acordá-lo da vida que é sonho e que
ele toma por realidade.A realidade para o brasileiro é o pesadelo, um
sonho ruim.E aqui, certamente, ele tem razão.

O brasileiro é um feriado eterno.Só que embola as datas.Pensa que a
vida toda é carnaval, quando a maior parte do tempo é Quarta feira de
cinzas, ou pior ainda:a maior parte da vida é Sexta feira da paixão.