Concurso de verdades
Jornalismo é como religião.Ambos se arrogam o direito
da revelação, da verdade absoluta.Com um adendo: a religião escancara
esta sua pretensão, o jornalismo se coloca como humilde observador da
realidade e modesto revelador da verdade;enquanto a verdade para a
religião se coloca em um nível aristocrático, onde só os eleitos ou
aqueles que querem ver alcançam a verdade, o jornalismo é mais do povão,
mais democrático e desnuda sua verdade particular a todos.Não precisa
fazer esforço algum nem esperar a revelação ou qualquer luz para
enxergar a verdade do jornalismo, até porque esta verdade jornalística
geralmente vem de porões bastante escuros.
Verdade por verdade, prefiro a religiosa, que assume
sua pretensão e aristocracia(verdade para ‘’os eleitos’’) que a verdade
democrática do jornalismo.Ambas são evidentemente verdades tendenciosas e
fruto da imaginação de seus construtores.Mas pelo menos a verdade
construída pela religião não dá maiores explicações de sua fantasia, de
seus artificialismos.Assim, o populacho acredita naquilo que não entende
e continua agindo da mesma maneira, esperando que a verdade dos eleitos
chegue até eles.A verdade jornalística é mais perigosa, porque é
acessível e colocada no mercado de valores.Claro, qualquer ser sensato
sabe que verdades absolutas não existem e que as que aparecem por aí são
recortes da realidade ou da fantasia mesmo de seus
autores.Infelizmente, não existem muitos seres sensatos por aí.
Mas a verdade é que a Verdade é criação, é
ficção.Como a verdade jornalística se circunscreve ao que é palpável(e
não fala do além, como a da religião), a coisa se complica.Nada mais
escorregadio que a realidade, talvez mais ainda que o além.Jornalismo
pressupõe a investigação e apuração dos fatos, mas não existem fatos
brutos.Todo e qualquer fato ou a somatória de quaisquer fatos são
versões de quem os apresenta.Até uma imagem fora de contexto é uma
versão de um fato, e não precisa ser comunicólogo para saber disto.Tudo é
versão, como são versões as diferentes explicações teológicas de
qualquer religião.Mas quando se fala em realidade, estas versões tomam
uma proporção maior e mais imediata que influi diretamente na vida das
pessoas.E este é o ponto:por trás de sua humilde posição de
distanciamento dos fatos, de apresentar a verdade objetiva da
realidade(em tempo:objetividade não existe.Ponto final.), o jornalismo
mascara as intenções de quem apresenta os fatos.Por isto sou a favor que
aconteça uma inversão completa nas regras do jogo:que o jornalismo
opinativo prevaleça sobre o investigativo, sobre o descritivo, que se
propõe arrogantemente a descrever os fatos.Todo o jornalismo deveria ser
opinativo, que é o único tipo de jornalismo possível, em concordância
com uma busca ética do que poderia ser a realidade, porque a realidade
não se alcança, assim como nunca se alcança o que quer que seja a
verdade.Até a apresentação de um buraco de rua implica em nuanças
subjetivas de quem o descreve, de quem o apresenta.Tudo, absolutamente
tudo é subjetivo.
Me formei em jornalismo com outras pretensões, de
apresentar um determinado ponto de vista, de um determinado julgamento
do que via e vejo ao meu redor.O que fazem hoje as redações é apresentar
uma determinada visão da realidade que vai de acordo com os
pressupostos da linha editorial da empresa.Esta escola da objetividade
que está aí é , de fato, a escola de imposição de meia dúzia de pontos
de vista que incutem a fórceps na cabeça de estudantes de
comunicação.Sejamos sinceros, as pessoas já não são, em sua vasta
maioria, propensas a pensar por conta própria.O que se poderá dizer de
um monte de estudantes de comunicação amestrados e ensinados a pensar em
uníssono, de maneira padrão?
O que sempre me fascinou na realidade( e divertiu também) foi a livre
concorrência de verdades, verdades estas que não passam de pontos de
vista, de modos subjetivos de perceber os arredores de um centro que
também não existe.Sempre apreciei as verdades mais belamente compostas,
mais poeticamente explicadas, o que sempre me aproximou da arte, talvez a
forma mais próxima do que quer que seja a verdade(falo de arte, não de
entretenimento).A verdade, caríssimos, no fundo não passa de uma questão
estética.Penso que até mesmo Sócrates,também no fundo, sabia disto.O
que se vê hoje em dia é a padronização de meia dúzia de verdadezinhas
opacas, gastas, remoídas, sem viço e sem sabor.Por isto mesmo, o mundo
anda tão sem graça.