2005-02-22 22:35:00

       
  

De primeiras e últimas

Inícios são inexoravelmente constrangedores.Não deveria haver
primeira vez em sexo, em amor, em comida, nem em nada.Como um milagre
metafísico, tudo deveria se transformar em rotina instantaneamente.
Primeira vez envolve inexperiência básica, falta de saber o que
fazer.Reparem, qualquer início mata de vergonha.O pirralho imberbe e
cravado de espinhas que não sabe onde por a mão(ou outra coisa) no lugar
quando tem sua primeira experiência sexual, o patético e pavoroso
primeiro poeminha de um poetinha em potencial, a primeira vez que se
come escargot, a primeira vez que se é rejeitado.

Não à toa, nascemos nos esguelando, berrando por vir
ao mundo a contragosto.Conhecer tudo de cara é um acinte para quem está
acostumado ao aconchego do ventre materno.(sejamos didáticos e
elementares:esta é uma metáfora primária que quer dizer o seguinte:não
há primeira vez que não seja traumatizante e difícil;se dependesse de
todo mundo, todos ficariam eternamente na barriga materna, o que seria
uma solução para a humanidade inteira:um bando de mulheres barrigudas
sem nascimento, sem gênese.É uma saída covarde, eu sei, mas ainda assim
tentadora:o eterno permanecer no ventre materno, até que apodrecêssemos
de conforto e sono dentro das barrigonas, e morressem as mães em
potencial também de tanto serem paparicadas por parentes e amigos , de
tanto carregarem um feto que teimaria em não nascer, como está quase
morrendo este parênteses que teima em não se abrir como uma barrigona
que teima em não liberar o pimpolho.Seria uma saída covarde e que
provocaria a extinção da humanidade, mas ainda assim(por que não?)(Outro
parênteses dentro do parênteses)(Deus…), ainda assim extremamente
edificante(outro:de um nada, talvez).Fim de parênteses, fim de barriga
protetora).

Ah, mas não adianta, teimamos em nascer, em conhecer
tudo, em quebrar a cara até saber que toda primeira vez é
igual.Deslumbre, choque e decepção.Estas três palavrinhas que definem
toda uma vida.Mas não se aprende, ninguém aprende.Maturidade não existe,
maturidade é morte, apodrecimento(outra metáfora básica:mas esta eu não
explico não).Maturidade mesmo é saber que somos eternos meninotes,
enfiando o dedo onde não se deve, colocando na boca o que não se deve,
experimentando tudo pela primeira vez, tudo feito desesperada e
atabalhoadamente.Tantas primeiras vezes que redundam sempre nas três
palavrinhas.Vale a pena redundar, não seria a primeira vez:deslumbre,
choque e decepção.E por aí vai, até chegar uma última vez que talvez
revelará a primeira vez fatal(ou não):a primeira morte, o primeiro fim,
ou talvez o primeiro começo de fato.

PS:Texto meu  feito sob encomenda para o blog www.cincocontraumtema.blogspot.com

  

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