2005-03-11 21:31:00

       
  

Autismo utópico

Aninho meus vazios como quem embala uma criança morta.

Acaricio a placenta das minhas ausências, dos meus hiatos,

das minhas horas desperdiçadas.

Edifico as paredes que me cercam com entulho prenhe

de silêncio fértil e ensurdecedor.

Fora, vozes estrepitosas remontam sons  de sentidos póstumos.

 

A ausência dos móveis decora o branco da memória abandonada

(inúteis os utensílios quando se perde o gosto do palpável).

As vísceras adornam o corpo da sala pelo lado de fora.

Dentro, o cheiro de ar puro que exala de um crânio oco.

 

Tempo não há, apenas a lembrança constante do instante seguinte.

O teto me ampara, o chão me delimita.

As paredes esquadrinham tacitamente

a compreensão do confinamento consentido

A gravidade atua para o centro de si mesmo

causa confortável da paralisia dos móveis ausentes.

 

Um único habitante.

uma única vida

em estado permanentemente embrionário.

 

Ainda assim, decoração e construção não se completam.

 

  

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