2005-03-18 22:50:00

       
  

Contra o trabalho. Em termos.

’’Trabalho ‘’ é um dos conceitos e
vocábulos mais queridinhos da cartilha do politicamente correto.’’O
trabalho enobrece o homem’’, diz o ditado popular; ‘’ganharás o pão com o
suor do teu rosto’’, reza a bíblia, embora a mesma bíblia se pergunte
em outra parte ‘’que proveito tira o homem debaixo do trabalho com que
se afadiga sob o sol’’.Como gostam os politicamente corretos, o conceito
de trabalho é tão vasto e amplo que pode-se aplicá-lo em qualquer
circunstância, preferencialmente aquela mais clicheresca, onde se pode
encobrir a falta de pensamento com qualquer uma das frases acima
apresentadas.Ora,trabalho não enobrece ninguém, porque trabalho, seja
ele qual for, está longe de ser uma atividade nobre.Nobres gostam mesmo é
de ociosidade.

Mas todos nós, até os vagabundos sociais,
trabalhamos, sem exceção.O pleno ócio é impossível.Afinal de contas,
tudo é trabalho.Acordar dá trabalho, comer idem.Sexo dá trabalho.Viver é
de uma trabalheira quase insuportável.Nenhum trabalho, por mais
agradável que seja( e a maioria não é. Ao contrário) chega a ser
plenamente gratificante e prazeiroso.Todos cansam.Viver cansa.Trabalho é
tortura.Sim, tortura mesmo.A palavra ‘’trabalho’’ vem de ‘’tripalho’’
que era um instrumento de tortura feito de três paus.Todos trabalham
porque ,como mandou São Paulo, quem não trabalha não come.Mas daí a ter
prazer demais com o trabalho chega a ser coisa de pervertidos mesmo.Até
amar dá um trabalho danado, que exaure.Bom mesmo é ser amado.E amar
um pouquinho só, para não ter perigo de se viciar na coisa e se tornar
dependente desta árdua tarefa que é amar alguém.Por isto, o tripalho,
digo, a cruz de Cristo foi tão pesada.O Homem se deu o trabalho de amar a
humanidade inteira.Vejam a trabalheira que deu e o que Ele recebeu em
troca.

Se, metafisicamente, trabalhar já é complicado, no
sentido social, ninguém gosta de trabalhar.A preguiça é a condição
primária de todo ser humano.Nascemos para a cama, para o bem desfrutar
as horas e dias com contemplação.Trabalho social é condição de
indústria, de mercado.Sim, há esta história da carochinha que contam,
que diz que trabalhando , você está ajudando seu próximo, e que outro
estaria ajudando você, criando assim uma grande engrenagem de trabalho
comunitário.Balela.Isto está mais próximo de anarquismo utópico(Perdoem o
pleonasmo) do que de capitalismo, em que seu trabalho é seu valor de
mercado, em que você vale e pesa o quanto faz aos olhos do empregador
que desfruta das benesses da sua chamada força de trabalho.Trabalho em
capitalismo é exploração do mais fraco pelo mais forte.Neste sentido, os
maiores trabalhadores, ou melhor, os maiores torturados são os
empregados, que oferecem os maiores dividendos do nobre suor de seu
trabalho para seus também nobres patrões trabalhadores.Pena que os
frutos desta nobreza sejam tão mal repartidos , não?

Nada de marxismo xiita por aqui.Tenho horror a
comunismo, em que seriam nivelados funkeiros e
escritores.Ninguém é igual a ninguém e, a bem do meu interesse próprio,
acredito que escritores tenham privilégios maiores que funkeiros.Por uma
questão metafísica, muito mais que
sócio-econômica.Aliás,a dinâmica do trabalho social não é só
econômica, mas religiosa também.Reparem como católicos trabalham menos
que protestantes.Para estes últimos, o lucro é uma dádiva divina,
oriunda dos céus, que cobre de glórias aquele que muito trabalhou.Nada
melhor para os nobres senhores donos do capital, que observam todas
estas ovelhas trabalhando como burros em busca de se tornarem pastores,
como eles, bons nobres capitalistas.Assim nasceu a prosperidade dos
Estados Unidos, aliás.Já os católicos são essencialmente contemplativos,
ou seja, essencialmente preguiçosos e vagabundos.Sempre esperam um
milagre dos céus ou um dinheirinho aqui na esquina, ou talvez, quem
sabe, ganhar na loteria.Ah, os católicos não muito
praticantes sonham também em levar unzinho por fora .Assim se
fundou a nação brasileira e seu subdesenvolvimento trabalhista.

No Brasil, trabalho é trabalho braçal.Experimente dizer que escreve
ou que dá aulas, e ouvirá um inexorável ‘’e em que você trabalha?’’.E
aqui, mais uma vez, advogo em causa própria.Ora, pensar dá trabalho.E
muito.Escrever mais ainda.Quantos pensam direitinho e enfileram as
frases de modo a ter um certo ritmo, uma certa consistência de idéias?
No Brasil, e em qualquer sociedade capitalista, trabalho é trabalho
pragmático, de utilidade direta, sem nuanças.Pensar dá trabalho, mas nem
sempre o fruto deste trabalho é direta, imediata e objetivamente
aproveitado pelo cidadão trabalhador ao seu lado.Na engrenagem
trabalhista capitalista, pensar é um trabalho mal remunerado e, ainda
por cima,perigoso.Pensar pode atrapalhar o trabalho cuidadoso de
milênios de alguns nobres trabalhadores que, digamos assim, acreditam
por demais na força de seu trabalho, principalmente na dos outros…Não
há quem queira ser patrão de poetas e filósofos. Felizmente, estes
são(em tese, em tese…) autônomos, embora geralmente ganhem muito pouco
ou quase nada com o ‘’suor do rosto e o trabalho com que se
afadigam sob o sol’’.


  

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