2005-06-07 21:49:00

       
  

Quase sem sentido

Foi-se o tempo em que as coisas
faziam sentido.Em tudo, digo. Arte, política, sociologia,
religião,etc.Tudo que tenha um sentido claro, cartesiano, com princípio,
meio e fim é recebido hoje com sorrisinhos de escárnio e
desconfiança.Muito sem graça este negócio de não haver mais oportunidade
de um belo discurso claro e pedagógico de boas intenções,
algo quase utópico e ingênuo hoje em dia.E ainda ser recebido com
muxoxos de desconfiança e menosprezo quando se tenta algo do tipo.

O pior é que este parece um caminho sem volta.Vejam o
cinema, por exemplo:quando vejo um filme americano hoje em dia, me dá
saudades do cinema noir dos anos quarenta.Em preto e branco, o sentido
que se fazia era mais realista, justamente pela impressão de um certo
distanciamento consentido da realidade.Aquilo não convencia ninguém, mas
divertia, como todo o sentido fabricado da vida.O
aparente realismo do cinema americano de hoje é bobo, infantil e se
leva a sério;é, em suma, um cinema infantilizado e metido a besta, que
todo o resto do mundo copia, como macaquitos.Restam alguns
imitadores de Godard, de Fellini, Bergman e outros que tentam –em vão-
não fazer sentido.Mas falta-lhes competência, pobres coitados.Não fazer
sentido com talento  não é para qualquer um.A aparente falta
de sentido fabricada por  alguns gênios da arte revela
um sentido encoberto, multifacetado e complexo, privilégio de quem
tem talento para não  fazer sentido no sentido claro do
termo.Então o problema de quem tenta-sem sucesso-não fazer
sentido:incompetência sem sentido é menos identificável que com
sentido.Por isto a profusão de pseudo artistas que grassam por aí.

O cinema é só um exemplo que arrola uma infinidade de
outras áreas:literatura, teatro, música, artes plásticas, etc.O
primeiro culpado de tudo isto foi mesmo o Marcel Duchamp, com esta
história do ‘’self made’’, de que tudo é arte , dependendo do contexto,
até mesmo uma roda de bicicleta descoberta ao acaso.É arte nada.Arte
pressupõe criação, imaginação,construção humana com fins
deliberadamente artísticos.A roda de bicicleta não sai de seu
contexto utilitário só por causa da imaginação transubstanciadora de
alguém.Sem o discurso de blábláblá de Duchamp, quero ver alguém olhar
para todas as rodas de bicicletas do planeta com olhares densos e
profundos de críticos de arte.Talvez fosse este o sonho de Duchamp
mesmo.Transformar todo o mundo em um exército de pedantões sofsticados e
fruidores artísticos.Todo mundo meio esquisito e afrescalhado, como
ele, Duchamp.

Mas não adianta choramingar que o sentido morreu
mesmo.Olhem para a cara de Lula ou de Bush e vejam se não parecem com
personagens de ficção mal feita, de romance ‘’B’’ de espionagem ou de
filme de guerra de terceira categoria.O mundo virou uma obra de arte mal
elaborada, uma roda de Duchamp sem discurso, uma instalação de museu de
arte moderna.

E ai daquele que tenta fazer sentido.Falo por
experiência própria.Uma amiga minha riu na minha cara quando eu lhe
disse que amar era o único sentido da vida;me disse que eu vivia um
conto de fadas psicanaliticamente mal resolvido.Outro amigo meu me
esnobou quando eu disse que havia detestado uma peça em que os atores se
limitavam a brincar de balanço fazendo movimentos ‘’epifânicos’’
durante um hora de espetáculo.’’Você precisa estudar epistemologia’’,
disse-me ele.

É duro, eu sei.Sou uma peça de museu de arte de retaguarda.Um filme
em preto e branco, uma tentativa patética de se fazer sentido.Nem mesmo
eu suporto esta minha mania de querer chorar de tristeza por não
encontrar sentido em mais coisa nenhuma, coisa típica de romances
sentimentais para senhoras que insistiam irritantemente em ter começo,
meio e fim.Ainda por cima, tudo muito mal escrito, como esta crônica
quase sem sentido.Quase, eu disse.


  

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