Depois do fim
Aspirantes a crédulos perguntam se
existiria vida após a morte, para ver se amenizam o fim.Se houver,
espero que seja breve e não eterna.A idéia de eternidade me assusta mais
que a idéia de finitude.Todas as opções pressupostamente alentadoras de
paraíso de todas as religiões me soam no mínimo tediosas.Imagino
com uma certa preguiça a versão do paraíso católico, por exemplo.Um
monte de beatos sem sexo, sem direito a poder falar mal dos melhores
amigos, sem nenhuma espécie de competição, e, sobretudo, sem nenhum
alívio, sem nenhuma ínfima desgraça para atenuar o tédio perene de uma
estado de graça eterna.Ora, é preciso uma certo dissabor, um certo
descaminho para que sobrevenha um melhor degustar da felicidade.Até a
felicidade enjoa, se constante.Meu medo maior é me tornar eternamente
feliz.Já viram a cara das pessoas plenas de felicidade?Já tentaram
conversar com um felizardo perene e pleno?Será nisto que se convertem
todos os mortais no paraíso dos católicos?Cruz credo.
Melhorzinho mas machista é o paraíso dos
muçulmanos.Dezenas de virgens eternamente virgens, refeitas,
revirginadas pela graça de Alá ao bel prazer de cada um que merecer uma
boa vida pos mortem.Não daria muita trela para a virgindade,desde que
fossem bonitinhas as moças.Mas reparem:mesmo que sejam sessenta virgens,
uma eternidade com as mesmas meninas cansa.E também há problemas
estruturais graves neste paraíso islâmico .E exercerei aqui, se me
permitem, meu exercício de generosidade.Se há um paraíso
machista que atende exclusivamente aos anseios masculinos, que será das
mulheres , coitadas?Haveriam as pobres de ir para o paraíso com a função
exclusiva de se tornarem eternas virgens servidoras, funcionárias
públicas , anjos beatíficos da furunfação?Ou teriam também o direito a
dezenas de servidores homens(também virgens?).E mais:que seria dos
pobres homossexuais forçados a diariamente extinguir a virgindade das
moças?Ou seja, um paraíso sexualizado como este implicaria sérios
problemas sociológicos, como se pode perceber.
Sou mais afeito à idéia cardecista de reencarnação
por uma simples razão:a perda da memória, a desmemória do que já se
passou.Você comete seus erros e acertos e depois ajusta as contas na
próxima vida sem lembrar de nadinha, desde o moleque que pisava no seu
pé na infância até a mais dolorosa rejeição amorosa.E ainda quem sabe
poderia na próxima encarnação se vingar inconscientemente do moleque e
da moça rejeitando esta e pisando no pé daquele.Bem, mas aí o assunto já
foge da justiça divina e entra em um terreno mais afeito a planos menos
beatíficos…Além do mais, a vingança só é agradável se consciente.
Mas o fato é que esta idéia da reencarnação me soa
muito capitalista, com direito a saldo positivo e negativo desta vida
que você pagaria na próxima.Sim, sim, sei que o espírio capitalista é o
que mais se molda à condição humana, mas , por Deus, esperaria mais da
condição ‘’Divina’’, ora esta…
Enfim, o problema de alguém como eu que duvida de tudo mas quereria
acreditar em qualquer coisa é este:não achar um modelo de paraíso, de
vida pós morte que se adapte às minhas idiossincrasias.Os paraísos
religiosos são todos construídos baseados em tradições culturais muito
específicas relativas a costumes e épocas precisas.Todos os
paraísos de todas as religiões são insuportavelmenhte
antropológicos.Quereria um que fosse absoluto e atendesse a todas as
minhas expectativas, que, por sua vez, não são imutáveis.Tenho o direito
de mudar de opinião, de gosto, de tudo.O defeito de todos estes
paraísos é uma certa imobilidade metafísica.Todos eles oferecem um
modelo estático de felicidade.A uma vidinha tediosamente beatífica e
eternamente feliz deste jeito, prefiro um fim de fato, uma boa morte
mesmo.As pessoas têm medo da não existência.Eu, preguiçoso que sou,
sinto mais tédio da existência, quanto mais de uma existência eterna.O
fato, senhores , é que tudo cansa.Mesmo um paraíso com dúzias de virgens
eternamente revirginadas.Tudo mais cedo ou mais tarde se torna
fastidioso.Tudo enjoa, até a felicidade eterna.