Mesmos contrários
Há na saliva insípida uma gota de bile
extraviada do fluxo plácido da corrente sanguínea
extraviada do curso monótono da direção dos fatos
incrustada na dimensão subterrânea do sorriso complacente
Há no aceno parcimoniso um gesto autoritário embrionário
uma violência implícita nas mãos espalmadas em doação
Há na oferta uma agressão semi revelada
uma semi descoberta do ego intumescido
Há no gesto heróico um coito beatífico sutilmente obsceno
consentido entre redentores e redimidos
Mas também na queda há uma reedificação à espreita
Na morte uma esperança cega e certa
da construção objetiva da falta de sentido
Na dor a expectativa do alívio consequente
e da descoberta epifânica do prazer pelo seu avesso
Há sobretudo no soco a confluência de duas peles que se tocam
Há no contraditório seu avesso cartesiano
a certeza da dúvida tácita e generosa
Há no momento seguinte
o questionamento acolhedor do instante anterior
Há em cada coisa sua inerente e ansiada anulação
A construção metódica dos opostos sobrepostos
formulando as suspeitas certezas alentadoras
A sombra do reflexo do avesso tornando-se
sua igual pelo reverso das posições
Eterna irmandade incestuosa entre Caim e Abel
Generosidade insidiosa do assassinato consentido
Fotografia estratificada em negativo
carcomida e novamente revelada e desvelada pelo tempo
Há neste permanente regurgitar de coisas
um apetite voraz pelo próprio vômito
Este prazer mórbido de se saber amálgama
entre tudo e coisa nenhuma
substância vária e contínua dos mesmíssimos contrários
e suas sucessivas camadas subliminares.