2005-09-19 21:57:00

       
  

Celebração do espelhinho de segunda

Venerar algo ou alguém, por mais
venerável que seja o dito cujo ou a coisa, é coisa esquisita;espécie de
narcisimo contrariado e reprojetado, vaidade desfocada.O sujeito que não
tem nenhum talento, nenhuma habilidade especial, nenhum mérito mais
diferenciado, venera.Invejar é mais saudável e mais afeito ao espírito
humano.Cobiçar com plena mesquinharia as virtudes alheias é mais salutar
que babar diante do próximo, a meu ver.

Por mórbida estranheza , nunca veneraram tanto quanto
agora.Em época em que não há quase ninguém(quase?) venerável, nunca
proliferaram tantos ídolos.Já ouviram, por exemplo, falar de uma tal de
Paris Hilton? Vejam o curriculum vitae da moça:filha de alguém muito
rico, feiosa, nariguda, não sabe atuar, não sabe falar, não canta, não
dança, se veste mal,se expressa mal e fez uma fitinha de sacanagem
caseira com o namorado cafajeste.É idolatrada nos Estados Unidos por
adolescentes e esteve no Brasil, onde foi o foco da atenção da mídia.Que
diabos esta criatura fez- por misericórdia, me expliquem- para fazer
sucesso?

Não é meu interesse chutar cachorro morto mas me
assusta a idolatria desvairada a quem nada fez e a quem nada é.Se ao
menos as pessoas idolatrassem pessoas que tivessem um tiquinho de
talento, ainda que mal vocacionado, vá lá.Mas idolatrar o nada em forma
de gente?Desfilam diariamente fenômenos do tipo Big Brother em que
pessoas se tornam célebres por ..serem célebres.Assim a vida midiática
de costumes e adereços de nossos tempos modernos:um pleonasmo debilmente
surreal.

Bem, vamos à tese:os medíocres parecem ter descoberto
a mediocridade refletida na mediocridade de outrem, compreendem?Em vez
de enaltecerem quem lhes seria superior, resolveram adotar a
mediocridade como elemento benemérito, digno de veneração.Isto explica
muita coisa ou quase tudo em nossos tempos melancólicos, desde o sucesso
de Paris Hilton, passando pelo fenômeno dos Big Brothers até à eleição
de lula.

Eventualmente, a coisa tende a gerar certas
extravagâncias.Pessoas medíocres que antes se moldavam em quem lhes era
superior agora se moldam em quem lhes é igual, o que torna tudo mais
fácil e palatável para eles, fenômeno que gera ao mesmo
tempo um exército de imbecis acontentados e rotundamente
apalermados com a própria felicidade vazia.A vagabundinha da escola vai
se inspirar na própria vagabundagem projetada em Paris Hilton. E quem
sabe resolve fazer um videozinho de furunfação como a ídola
platinada?Quem sabe também algum operário padrão deste que fala ‘’nós
vai’’ resolve salvar o país e se candidatar a presidente da
repúbilca(alguma sensação de déja vu por aí?…)?

Meu libelo é pelos que não são medíocres, ou pelo
menos por aqueles que tentam não ser, ou mesmo pelos que são, mas
reconhecem que a mediocridade não tem valor e não deve ser enaltecida-o
que é, por sua vez, um gesto nobre que indica a perda da mediocridade
até.Claro que os não medíocres são minoria, mas democracias não estão
tão na moda hoje em dia?Defesa de minorias não é o supra sumo das
práticas politicamente corretas?Então defendo o direito dos não
mediocres se expressarem, ainda que a multidão de nulidades os
apredreje, e escarneçam de suas virtudes morais, intelectuais e
artísticas, que os defenestrem por não serem medíocres.

Mas, uma vez refreados meus impulsos revolucionários, começo a
suspeitar que as diversas minorias de diversas especificidades de
medíocres configuram a maioria esmagadora daquilo que se chama
democracia.E, eureka, descubro:de uma maneira torta, os medíocres são
espertos.Nefastamente espertos.

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