Fênix duvidosa
Poesia
Fênix duvidosa
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Percebemos que estamos envelhecendo
quando adquirimos certos padrões de comportamento, certos costumes que
se revelam indissociáveis de nossa personalidade.Desde os sintomas mais
naturais, quando sistematicamente dormimos de um lado da cama ou roemos
as unhas até quando adquirimos vícios ideológicos de um viés ou
outro.Envelhecer é ir perdendo paulatinamente o gosto da novidade das
coisas e nos adequarmos a um padrão construido por nós mesmos, seja de
que ordem for:filosófica, ideológica ou cotidiana e habitual .
Há os que se cercam de tamanho arcabouço de valores,
regras e opiniões fechadas que acabam por se tornarem prisioneiros de
suas próprias estruturas de comportamento e pensamento.São os
neurastênicos, adeptos a um único sentido de vida criado por eles e que
norteiam toda a sua vida baseados em seus pressupostos imutáveis.Bem,
uma certa dose de neurastenia paranóica é até salutar, visto que o
oposto, uma excessiva falta de padrões e opiniões caracteriza justamente
o que chamamos de um idiota completo, cujo hino é aquela velha canção
daquele barbudinho Hipponga de shopping center que clamava ser ‘’esta
eterna metamorfose ambulante’’.Sim, sim, senhores, muitas pretensas
libertações de atitude e comportamento nada mais são que franca apologia
à imbecilidade.
E como balancear esta neurastenia de padrões
fixos com um certo despredimento de valores? Ora, sei lá eu.O fato é que
todos estamos condenados a ter opinião sobre seja lá o que for,
principalmente sobre assuntos que não conhecemos, que sempre serão
maioria absoluta:quer seja sobre política,gastronomia, sexo, vestuário,
sempre estamos condenados a carregar bandeiras, sejam elas visíveis ou
invisíveis, estando sempre implícitas em nosso comportamento.Andar na
rua, se vestir, comer, etc, implica em revelar gostos, e ,portanto,
em revelar uma personalidade.Talvez mesmo as assim
chamadas verdades absolutas se circunscrevam a gostos particulares,
desde uma preferência por feijoada ou sushi ou uma preferência por
Nietzsche ou Kant.
Mas antes que me sobrevenham os elogios dos
relativistas e antropólogos que fazem pulular os discursos de
que tudo é relativo, devo dizer que sempre há um vencedor nestas
opiniões contrastantes.Esta história de culturas e verdades que se
complementam é balela.A arte e a verdade(melhor:o entendimento do que
seja a verdade) são fruto do conflito de idéias, de gerações,
de aspirações, de ideais.Nada se conquista pelo casto diálogo.A
imposição é sempre feita no tapa, quer seja pelo tapa simbólico ou real
mesmo.
Viver é brigar pelos seus ideais, por suas
convicções, mesmo que seja para provar que comida ocidental é bem melhor
que a oriental.Se há uma mistura aqui e acolá, é eventual e
esporádica.Bach não combina com candomblé e nem feijão com estrogonofe,
embora sempre haja excêntricos querendo provar o contrário.Pode haver um
respeito a qualquer manifestação de gostos e idéias diferentes dos seus
, mas sempre, intimamente, haverá aquela fagulha de disputa , aquela
sensação quase que instintiva de querer provar que seus gostos e idéias
são mais saborosos que os de outrem.Pode parecer exagero, mas este
embate é todo o princípio que forma a evolução cultural da
humanidade.
E portanto , para não me acusarem de pusilanimidade,
atesto aqui a superioridade da feijoada em relação ao sushi.E
pronto:deixo aqui minha contribuição pessoal ao processo evolutivo
cultural da humanidade.
Acepções miseráveis da miséria
Pobre, miserável e maltrapilho.São
as características básicas de noventa por cento das personagens que
povoam a retomada do cinema brasileiro.Trocou-se a vulgaridade explícita
da pornochanchada da década de setenta pela rotunda sisudez da
preocupação social.E também nada de metáforas e alegorias, como faziam
os cineastas do cinema novo.O pobre cinematográfico contemporâneo
brasileiro agora tem que chorar, furunfar, comer de boca aberta
realisticamente, como fazem nas telenovelas.Disse preocupação
social? Bem, nem tanto assim. Talvez um sentimento de dor de consciência
somado a um oportunismo bem baratinho.Reparem, por exemplo,como Walter
Salles Jr parece pedir desculpas por ter nascido filho de banqueiro em
cada filme seu que invariavelmente vem com a história de miséria e
heroísmo social.O esqueminha até funciona, às vezes.Mas quase sempre soa
apenas como um estereótipo reforçado do bom selvagem Rousseaniano:o
puro corrompido pela adversidade social, a vítima do capitalismo
selvagem, e blá blá blá.
O cinema, neste caso, é apenas uma ícone de um
processo mais amplo.A questão é: esta miserabilidade fashion seria um
crítica social ou uma celebração de certos aspectos folclóricos da
miserabilidade tupiniquim? Toda a intelectualidade brasileira sempre
teve um certo deslumbre pela miséria do país.Não por acaso, o
nordeste sempre foi o foco principal de discussão sobre uma suposta
identidade nacional.O sofrido, carrancudo , estereotipado e
vitimado nordestino, mimado como o exemplo de resistência, bravura e
vitimização do brasileiro esfarrapado,que tem lá seus consolos em uma ou
duas batucadas durante o ano.O sul do país, coitado, com sua população
menos miserável e menos esfarrapada e suas loiras de olhos claros,
fica relegado a segundo plano, por ser mais enfadonhamente desenvolvido e
não se adaptar aos cânones do clichê nacional do que é ser
brasileiro.Se pensa demais,se não sofre demais, se não passa fome e se
não é vítima da violência(ou bandido mesmo), então não entra no filão
dos estudos de artistas e intelectuais tupiniquins.Conflitos, claro, só
os sociais.Metafísica é coisa de gentinha hiper desenvolvida, segundo o
grosso de nossos artistas e intelectuais.
Este padrão indica não só a miséria-mais miserável
que a miséria real dos miseráveis- do pensamento nacional, como também
demonstra um gosto masoquista pelo subdesenvolvimento.’’Somos
diferentes, porque não sabemos caminhar com as próprias pernas, porque
somos eminentemente desorganizados, porque cultivamos um caráter ambíguo
e não necessariamente ganhamos o pão como o suor do nosso rosto, que
nos é tomado na maioria das vezes(então que tal tomarmos de volta de
quem nos tomou?)’’.E daí nasce o tradicional personagem clássico do
folclore nacional:o brasileiro espertinho, subdesenvolvido, levemente
corrupto ,indignado com a corrupção alheia, leniente com os próprios
pecadilhos, que seriam, claro, fruto de sua luta contra o poder
esmagador do capital.E aí a dúvida:este seria um personagem construído
ou já estas ‘’virtudes’’ seriam tão arraigadas no imaginário nacional
que deixaram de ser cultivadas por nossa intelligentsia e se tornaram de
fato reais e inerentes à nossa personalidade? Sim, porque brasileiro
que preza o próprio clichê já nasce coitado.Estréia >
Se acham que exagero, tentem procurar algum filme, livro nacional que
seja que fale a respeito de gente inteligente e sofisticada.Uma
raridade.Gente que pensa por conta própria ,que concatena idéias, que
não dá tiros, que toma banho todo dia e que não come jerimun com farofa é
avis rara no cenário artístico nacional.Marionetes martirizadas dão
muito mais frutos e dividendos estéticos, segundo o imaginário dos
pensadores e criadores da terrinha.Reza a lenda que, para eles, Filmes
de Woody Allen, Ingmar Bergman e peças de Beckett são pecados mortais do
mundo imperialista.
Pele deserta
A trágica perda do deslumbramento
Perdi a capacidade de me
deslumbrar.Com qualquer coisa.Mais complicado: percebo metódica e
racionalmente aquela fagulha de um certo encanto mais concreto que se
instaura dentro de mim diante de alguma novidade sedutora, ou seja,
sinto o início do deslumbre e não consigo mais então me embasbacar com a
idéia ou com a coisa em si.Consequentemente, me brota aquele sorrisinho
de escárnio meio déja vu, aquele sensação de já haver experimentado
aquela mesma sensação de admiração incondicional de passionalidade
absoluta por algo.
Se chamam isto de maturidade , vá la, concordo.Mas
que é meio chato, é.Como se o mundo perdesse um pouco a graça, se
tornando meio preto e branco, meio acinzentado.Este negócio de trocar
paixão por sabedoria pode até ser bom em termos bíblicos ou filosóficos,
mas em termos pragmáticos, é muito enfadonho se tornar um pragmático.Me
sinto hoje quase um objeto de estudo geriátrico.Perdi minhas espinhas
físicas e simbólicas.
Sim, porque o deslumbramemnto é uma característica
eminentemente adolescente.O suspiro de uma primeira paixão, do primeiro
encantamento com uma primeira ideologia(geralmente de esquerda festiva),
a primeira sensação de se tornar intelectualmente independente, de se
rebelar contra o status quo.Enfim, estas tolices necessárias ao ego e a
sua consequente destruição pelos fatos subsequentes;a consequente
desilusão e o consequente desencanto oriundo do passar do tempo.Tudo uma
maravilha até que fatalmente se prova o contrário.
Tenho uma inveja subliminar e intratável dos imbecis
que não amadurecem.Ah, não falo apenas de eternos adolescentes
estratificados como o Supla e seu papai.O deslumbramento intelectual
também é pesado, principalmente em terras tupiniquins.Agora mesmo leio,
com o velho e trágico sorrisinho de escárnio, uma entrevista da doublê
de filósofa Marilena Chauí que afirma que a crise de governo do PT é
produto da mídia e da luta de >
Tenho esta inveja amarga, subcutânea, metafisicamente
irrevesível destes que se deixam deslumbrar por idéias estapafúrdias,
compreendem?Principalmente por idéias políticas equivocadas, uma vez que
estas arrastam vidas em nome de um feérico sonho de patacuada. O bom
senso não me deixa mais cair nestas prazeirosas armadilhas que nos
salvam da realidade.Realidade não só dos fatos, mas realidade das
coisas, da vida, dos elementos mais banais que nos circundam.A realidade
pesa.E arte definitivamente não ajuda, uma vez que arte(arte
verdadeira, digo) também é produto da incapacidade de se deslumbrar,
fonte de desgostos transmutada em elemento estético.Arte, já disse e
repito, é masoquismo sofisticado.
O que me resta hoje em dia( e o que me consola) como exceção é o
deslumbramento pelo sexo oposto.Ainda creio ser capaz de me apaixonar,
mesmo sabendo das consequências.Algumas imbecilidades aqui e outras
cegueiras acolá compensam até uma vida inteira de sensatez , meus
caros.Mas só algumas.E bem poucas.
O mais válido tipo de turismo
No Rio de janeiro , proibiram o uso
de imagens que denotem algum apelo sexual em cartões postais.As imagens
em questão eram fotos que mostravam glúteos e outros adornos salientes
de senhoritas opulentas que se misturavam às curvas da paisagem
carioca.O motivo da proibição seria o suposto incentivo ao turismo
sexual provocado pelo apelo instintivo das formas das moças.
Sou contra a proibição.Radicalmente.Ora, se o pão de
açúcar é um ícone da paisagem carioca e brasileira, porque as célebres
curvas das moçoilas tupiniquins também não o podem ser?Ícones muito mais
vibrantes, muito mais personificados e vivos(metaforicamente ou não)
dos atrativos turísticos brasileiros.Sim, sim, as tais imagens sexuais
eventualmente atraem o turismo sexual.Mas que mal tem?A principal fonte
de turismo é a sexual, ora esta.Eu mesmo já pensei em algumas viagens à
Suécia e a outros países nórdicos não só por curiosidade pela cultura
local, mas também para travar amizade com algumas encantadoras
caucasianas diáfanas.
E, por favor, não confundam turismo sexual com
prostituição.Turismo sexual você pode fazer até ao visitar a casa de sua
vizinha.Lascívia não respeita limites geográficos.Ao contrário:a
luxúria é um vício virtuoso que desonera de si quaisquer impostos
alfandegários de pecado ou qualquer outra perversão parecida.O interesse
sexual pode e deve ser levado em consideração no objetivo
de alguma viagem.Se isto suscita ou não a prostituição ,
não tem necessariamante diretamente que ver nem
com as razões turísticas dos turistas nem com quem promove
este tipo de turismo.Compras e vendas de quaisquer ordem- mesmo de
corpos e almas- são questões íntimas a serem tratadas de pessoa à
pessoa.Se há aí alguma exploração meio sórdida(pedofilia, escravização
branca, etc) o estado que resolva e ponto.Mas não venham afanar o
direito sagrado do viajante de buscar avaliar outras culturas, e dentro
deste desbravamento cultural, está lícito o direito de travar
conhecimento-bíblico ou não- com senhoritas de outras origens, outras
etnias, fluentes em outras línguas(perdoem a infame metáfora sem
intenção, sim?).
Mania medieval e carola esta de achar que corpos
humanos possuem o gérmen do pecado e do erro, que corpos são sagrados e
proibidos.Balela.O direito à posse do corpo é de seu(sua) dono(a);mas o
direito a olhar um corpo é de quem o vê.Não existe estupro visual.Todos
têm o direito à curiosidade.Além do que, esta questão da proibição de
partes do corpo é meramente cultural e beira a esquizofrenia.No Egito
antigo, por exemplo, mulheres andavam com os seios a mostra e com os pés
calçados sempre, porque estes eram considerados mais sexualizados e
obscenos do que aqueles.Se você pegar um livro qualquer de Machado de
Assis do século dezenove, verá inúmeras referências a braços sensuais e
calcanhares luxuriosos.Não adianta proibir, tapar, que o foco da
lascívia sempre se manifestará em alguma parte do corpo humano.Nem que
seja no dedo mindinho.
E, metafísicas sexuais à parte,há também razões sociológicas para o
desbunde da libertação dos instintos turísticos.Ora, sejamos francos:em
um cidade como o Rio, em que todos andam seminus, qual a razão para
alarde com uma mulher de biquíni em um cartão postal?Antes pelo
contrário, as curvas de uma gentil dama carioca dão pleno azo aos ditos
que tratam o Rio de janeiro como cidade maravilhosa.Eu, cá pra mim, não
troco os encantos de um corpo feminino por todas as maravilhas de uma
capela Sistina nem pelos deslumbres do Grand Canyon.Muito menos pelo pão
de açúcar.