Alegorias em perspectiva
Mau gosto é uma questão de
proporção.A escola de samba Unidos de Vila Isabel ganhou o carnaval
colocando uma estátua gigante de Simon Bolivar sentado em um trono alado
segurando na mão um coração que piscava.Mau gosto em escala gigantesca
se tolera com facilidade e até vira sinônimo de beleza(inclusive para
uns ditos eruditos e intelectuais populares).Vejam só, peguem uma ópera
qualquer de Puccini e verão que o enredo é de novela das seis.Mas o tom
grandiloquente da narrativa, os acordes voluptuosos da orquestra o fazem
aplaudir e chorar que nem uma carpideira sexagenária.Mau gosto em
escala pianinho torna-se mais expressivo, mais cru, visível a olho
nu.Amores aos berros não soam bem em novela das seis porque se moldam a
uma tela pequena.Já em um palco gigantesco, a coisa muda de figura.
As tragédias mais pesadas, mais gritantes mesmo são
aquelas que não gritam, que não dão voz expressiva às suas ruínas.Por
isto são praticamente impossíveis de serem filmadas ou encenadas e
geralmente se aplicam mais à poesia, à literatura, a coisas que não
tenham muitos sons ou cores.O exterior de um drama é sua caricatura para
fins de degustação de platéia.Nada contra o artifício do mau gosto, mas
mesmo ele pode ser aproveitado de maneira mais eficiente por gente mais
talentosa.Nélson Rodrigues e Dostoievski eram exemplos de grandes
mestres do mau gosto e da caricatura e lançavam mão de uma hecatombe
caleidoscópica de cores, sons, formas para ilustrar a caricatura humana
da própria humanidade.Justamente porque viam a tragicomédia de erros que
é estar vivo.A canastrice como apelo artístico também tem seus valores,
porque é uma catarse libertadora da tragédia implícita.Bem, mas como
disse, este tipo de coisa é para quem tem talento.Os de menos
envergadura se conformam em projetar suas vulgaridades em escalas
monumentais, como os carnavalescos de Vila Isabel…
A arte aspira ao silêncio, a uma quietude estática,
branca, esquálida, que se molda a uma verdade intangível.A verdadeira
eloquencia é o silêncio absoluto, a não necessidade de sons, palavras ou
outras representações iconográficas que aspiram ao todo ou a qualquer
tipo de comunicação que tente decifrar este todo.O mau gosto, neste
sentido, é uma tentativa burlesca de enquadrar este todo em cânones
primariamente estabelecidos.Diferentemente do bom gosto que tenta
desesperadamente alcançar algum tipo de evidência de que o todo talvez
não exista, que evidencia este fracasso de compreensão.O bom gosto é a
aceitação tácita e um tanto irônica da falta de sentido e da
desconfiança de sentidos pré-estabelecidos.O mau gosto é a compreensão
de uma verdade ou de uma mentira fácil.
Menos é mais, caros.O desbunde da grandiloquencia encanta olhos e
ouvidos, mas no mais das vezes não faz outra coisa senão divertir e
deleitar os sentidos.Não que não seja necessério este tipo de
narcotização( e é), mas um pouco de ciência de certas sutilezas é
essencial à descoberta de que um Bolívar gigante voando sentado com o
coração na mão é um troço feio pra burro, embora vez ou outra o povaréu
precise de algo do tipo para se divertir.