A simpatia do fracasso
O sucesso pode fascinar as pessoas
mas o fracasso angaria muito mais simpatia.O primeiro grande e suposto
fracassado da história ocidental é Ele mesmo, o próprio Jesus
Cristo.Ora,segundo os padrões vigentes de sucesso à época(e de agora
também), não se pode chamar exatamente de bem sucedida a trajetória de
alguém traído, abandonado e crucificado pelo seu próprio povo.O sucesso
de Cristo foi justamente o proveito metafísico que tirou de seu suposto
fracasso material , transformando este fracasso em sucesso metafísico.
A verdade é que o fracasso alheio nos é
simpático.Sempre.Quer seja por razões psicológicas, sociais, religiosas,
sempre tendemos a nos projetar com a derrota dos outros, justamente
porque nos inspiram um sentimento de harmonia, de companheirismo
tácito entre derrotados, que obviamente estão sempre em número mais
vantajoso que os bem sucedidos.Mesmo os mais bem sucedidos têm suas
vidas eivadas de pequenas ou grandes perdas.O fracasso é, em menor ou
maior grau, o substantivo mais democraticamente distribuído entre todos
os seres.Por isto esta identificação coletiva com o fracassado. O
fracasso sociabiliza, o sucesso aparta.
O fracasso não é necessariamente epopéico, como o de
Cristo, mas é invariavelmente tragicômico, como a vida em si(que os mais
pessimistas dizem ser O fracasso em si).Senão vejamos:o princípio e a
base de toda a comédia é o fracasso.O humor é oriundo do fracasso.Pode
haver drama em uma história de sucesso ou de derrota, mas o humor jamais
admite o sucesso.Não há graça em um presidente da república que se
elege, em um herói que vence uma batalha ou em alguém que acerta na
loteria. O humor, a graça estão sempre do lado dos derrotados.Não foi à
toa que Dante batizou sua obra prima de ‘’A divina comédia’’ , ou que
Balzac tenha batizado sua série de romances de ‘’A comédia
humana’’.Ambos os autores tratavam, sobretudo, de derrotados.Chaplin e
Woody Allen fizeram de seus tipos únicos e característicos epítomes dos
fracassados.O sucesso de ambos foi extrair o sucesso através da
representação de suas perdas.
Reparem como há uma similitude na caracterização de
todos os fracassados representados pela ficção e pela arte , em geral.Um
exemplo simples:Charlie Brown, o garoto fracassado do desenho homônimo e
George Costanza, o neurastênico derrotado do seriado “Seinfeld’’. Se
fizermos um exercício de projeção não seria muito difícil concluir que
Charlie Brown poderia facilmente ser a representação da infância de
George Costanza.Brown, um garoto azarado, aéreo, subjugado,após os
prováveis traumas de adolescência e juventude, não estaria muito
distante da neurose e dos chiliques de um Costanza em idade adulta.Em
suma, há um certo padrão alegórico nos fracassados
carismáticos, que pode nos remeter àquela velha
idéia-equivocada, a meu ver- de que ‘’todos os homens são um homem
só’’.Equivocada porque , apesar de haver semelhanças enormes entre um
ser humano e outro, há sutis diferenças que justamente definem o que
chamamos de personalidade;sutis diferenças que separam a beleza da
feiúra, a inteligência da ignorância, o sucesso do fracasso. O barro é o
mesmo, mas a formatação varia de acordo com a vasilha.Estas mesmas
sutis diferenças são por vezes tão sutis que quase não percebemos o
quanto pode haver de sucesso em um fracasso.Que o digam Allen, Chaplin,
Costanza, Brown e Cristo, só para citar alguns dos nossos mais caros
‘’fracassados’’.