2006-04-03 22:01:00

       
  

Das tais afinidades eletivas

Amigos, parentes, amores, animais de
estimação têm lá suas diferenças na escala de afeto, mas são todos
igualmente dependentes de circunstâncias peculiares, quer sejam sociais
ou psicológicas.Há pessoas com quem você trava amizade que eventualmente
possuem características aparentemente detestáveis como arrogância,
pedantismo, caráter frágil, etc.Mas estas mesmas pessoas, de acordo com o
enquadramento e a alocação destas característcas, tornam-se, diante de
seu julgamento, pessoas adoráveis pelos mesmos motivos pelos
quais se poderia detestá-las.O contrário também é
pertinente:pessoas adoráveis com virtudes inumanas de tão boas podem se
tornar justamente aborrecidamente inumanas a certos olhos.

Triste mesmo são os tais conhecidos perpétuos,
aqueles a quem, por eventualidade do destino, estamos às vezes
condenados à eterna companhia.Alguns têm a má sorte de tê-los como
parentes, às vezes até muito próximos.Um tio ou primo cacete, vá lá, mas
imagine um filho ter de conviver com um pai intolerável, coitado, ou
vice versa.A obrigação genética de amor incondicional é uma das maiores
crueldades impostas pela natureza social humana.Uma família deveria ser
escolhida a dedo depois dos dezoito anos de idade.Neste meio tempo,
poderia haver um ‘’rodízio’’ de famílias pelo qual o infante passaria,
dando seu veredito final sobre a mais simpática ao final da turnê.Sou um
sujeito conservador em certos aspectos, mas no que tange a estas coisas
de sangue e parentesco, sou anarquista libertário.Pais também poderiam
renegar ou trocar seus filhos depois de certa idade.Por exemplo, se com
dezesseis anos  o rapazote começar a escutar axé music e pintar o
cabelo de laranja,o pai poderia mandá-lo para uma instituição de
caridade financiada pelo governo baiano ou outra coisa do tipo.Crueldade
que nada.Certeza absoluta que as partes ficariam muito contetes depois
de certo tempo.Este negócio de convivênca salutar com as diferenças é
muito bacana até que apareça um disco de Amado Batista, um livro de
Paulo Coelho ou qualquer coisa do gênero.

Amores, por sua vez, implicam circunstâncias mais
patológicas que as aqui mencionadas amizades.Porque nas amizades, ainda
há uma escolha mais ou menos racional das características que o agradam
em determinada pessoa.No caso de amores e paixões, entram coisas
como apelo sexual , idiossincrasias individuais , levando o sujeito
a muitas vezes se enamorar de uma criatura totalmente estranha aos seus
paradigmas e parâmetros.Não é à toa que o clichê que diz que amor e
ódio se misturam é quase sempre corretíssimo.Também estão aí as paixões
eternamente platônicas ou as que nunca dão certo que não me deixam
mentir.Há um quê de perpétuo masoquismo no ato amoroso, como se houvesse
uma vingança implícita de seu subconsciente contra aquela implicância
com aquele seu parente chato com quem você nunca se deu bem.Há, claro,
os amores corretos, organizados, matizados de acordo com afinidades
específicas.Mas estes não são amores:mais parecem contratos burocráticos
entre funcionários públicos.

Relacionamento saudável mesmo, senhores, é com animais de
estimação.Não te pedem nada e só oferecem amor e afeto em troca.Chega a
ser uma relação tão excessivamente saudável, tão agradável, tão livre de
dissabores, que termina por ser até meio patológica.Talvez por isto
mesmo nunca comprei nenhum cachorro ou pagagaio.Humanos são mais
agradavelmente enfadonhos e difíceis, creio eu.

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