2006-05-23 21:45:00

       
  

Sono

Desfaleço de um sono descoberto
Pesam-me as pálpebras carregadas dos entulhos da consciência
Em vigília espreito sonhos táteis que sopram meias verdades
à memória esmaecida do dia seguinte
 
Deito à cata de sonos mais profícuos
que perturbem meus descansos verticais
com insônias feéricas e ressonâncias líricas
 
Faço a cama dos despojos das utopias possíveis
me embrenho nos lençois do porvir
E inicio a contagem dos carneiros
ornados para o próximo sacrifício
 
Amanhã, de pé, descobrirei meu reflexo sonâmbulo
e concluirei que ainda não são horas de acordar
Amanhã descobrirei que amanhã ainda não chegou
e voltarei ao leito das descobertas adormecidas
 
Meu sono cíclico vai se propagando por auroras propagadas e adiadas
Até que desperte de vez para um sono mais claro e menos intermitente.

  

2006-05-17 21:49:00

       
  

De pessoas, circunstâncias e coletivos circunstancialmente anônimos

Já repararam como já não há lugar
para o mau caráter na dita sociedade pós marxista? Não há mais canalhas,
pessoas más, réprobos.Todo mundo é movido pelas circunstâncias.Quando
não é vítima da sociedade capitalista, o sujeito é no máximo um produto
de sua >

A nhaca é que este discurso prevalece hoje mais do
que nunca disfarçado(ou não) de defesa do social.Há um levante qualquer
do crime organizado, um massacre de cidadãos de bem por marginais, e lá
vêm os nossos políticos dizendo que tudo é problema de falta de
educação, que tudo é culpa da falta de investimento no social.Como se a
corrupção que grassa nos altos escalões do poder fosse produto de
excluídos e párias sociais…Ah sim, mas crimes mais sofisticados não
entram na cartilha de bandidos que tomam banho diariamente e vestem
Giorgio Armani.

Me desculpem um certo aparente tom de simplicidade,
mas tenho lá minhas saudades de um tempo utópico em que havia pessoas
boas e pessoas más e que as circunstâncias não tinham a griffe
sócio-político-metafísica que têm hoje.As pessoas são fracas, eu sei, e o
caráter de um sujeito é débil.Mas é nas horas de debilidade que se mede
o valor de alguém.Se um esfomeado e maltrapilho mata e estupra, ele não
deixa de ser nem assassino nem estuprador porque tem fome.E por mais
analfabeto que possa ser, duvido muito que o dito cujo não tenha o
mínimo senso-instintivo que seja- de que matar e estuprar é errado.Isto
tendo em vista que ele tenha matado para saciar sua fome, quer seja ela
por alimentos ou por sexo mesmo; isto sem considerar que há
gente que mata, rouba e estupra por sabe-se lá que outros apetites
doentios.

Mas os arautos da injustiça social sempre justificarão assassinos,
estupradores, ladrões, e tudo o mais com a magnânima desculpa da
exclusão social.Se o criminoso é rico e poderoso, se safa, por condições
do próprio sistema(Aí Marx chega a quase ter razão.Mas só um
pouquinho); se é pobre, tem o perdão social da intelligensia de esquerda
porque é pobre e excluído.Livre arbítrio? Ora, isto é coisa de
imperialista esteta e carola, dizem os bolcheviques pós modernos(E os
antigos também.No fundo, são atemporais em sua boçalidade).A moda agora é
culpar as circunstâncias.Pessoas, indivíduos,
subjetividade,caráter,opções,escolhas, são, segundo a esquerda
atemporalizada, ‘’conceitos’’ conservadores da direita.Então tá.Mas quem
é mesmo que forma as circunstâncias?

  

2006-05-10 00:09:00

       
  

Pragmatismo quase utópico

De muito não me adiantou não ter feito o que não devia
Não me valeram virtudes os vícios não consumados
a não ser um nada beatífico, canonizado em esterilidade redentora
 
Não me valeram os andrajos dos bons conselhos
não tornaram menos insidiosa minha nudez encoberta
Caiu-me mal esta túnica de pele porosa
mapeada pelas erupções purulentas
dos meus desatinos não perpetrados
 
A bússola que me guiava paulatinamente me desorientava ao rumo certo
tornando palatável o caminho civilizado de fugas frugais
que me desencontraram de minha partida
Não se consolidou não serviu não adiantou a construção de um aprendizado:
soma torta de epifanias esquecidas
ao longo de uma cegueira mais alentadora
 
Meus utensílios mais caros são meus erros aglutinados
Meus tropeços construíram meu caminho enviesado
tangenciando minha espiral em direção ao equívoco
mais querido e primário da minha própria gênese
 
Enxergando pelas cicatrizes,
percebo ontem,cedo demais:
os destroços se recompôem candidamente, sempre
Supérfluas todas, as vitórias vão reverberando
sua fatuidade tediosa
 
As perdas são os verdadeiros ganhos que não angariam nada ao vencedor
 
Tudo é dispensável, tanto mais o estritamente necessário
Supérfluo é cada passo em direção a uma escolha
Plácidos são os prazeres vitais que deslumbram nossa desnecessidade
Inúteis são as dores que nos alimentam
 
E eis que se vê que não mais se interessa enxergar
E então me serve a armadura enferrujada de inutilidades em perspectiva
 
E pragmático, me empenho no uso dos desusos em questão.

2006-05-02 21:56:00

       
  

No soy loco por ti, America.


Latino americanos reclamam sempre
dos estereótipos que o primeiro mundo lhes inflinge.Mas a nhaca é que
quase sempre o estereótipo cabe perfeitamente.Estereótipo vendido, ou
melhor dizendo, dado de graça ao resto do mundo.

A América Latina é o paraíso do populismo.Tem para
todos os gostos e vêm em todos os matizes e formas.Agora mesmo, por
exemplo, se instituiu o populismo racial, nascido da eleição de Evo
Morales na Bolívia.Troncudo e carrancudo, Morales, como o nosso Lula,
não tem plano de governo, é desarticulado e propagandeia uma política
estatizante, ‘’contra lo imperialismo’’, mas é uma belezura de ícone,
pois é índio.Bem,dizem as más línguas que é mestiço, como noventa por
cento dos latino-americanos.Mas que importa?Se o homem parece índio, é o
que vale, não? Com esta superioridade étnica, que importância faz ou
não um plano de governo?

No Chile a também recém eleita Michele bachelet bateu
o pezinho e proclamou que metade de seu ministério será composto por
mulheres.Resta saber se o quesito ‘’competência’’ estaria mais ou menos
emparelhado com o populismo de gênero sexual da senhora em questão.

Mesmo na Argentina, o discreto Néstor Kirschner não
faz frente ao maior ativista político de país:Diego Armando Maradona.Com
o exemplar quociente intelectual de um jogador de futebol, dieguito
brinca de embaixada com Fidel Castro e faz par romântico com seu ídolo
maior, o presidente da Venezuela, o célebre Hugo Chávez.O romantismo
aqui diz respeito àquela utopia ideológica Bolivariana, de conquista de
liberdades do povo latino americano-liberdade a toque de golpe militar,
diga-se.Porque los latinos são muito viris, por supuesto. dieguito
acompanhou recentemente seu ídolo Chávez em um comício contra a Alca,
contra os EUA, contra Bush, contra o imperalismo e contra sei lá mais o
que, em que Hugo dava saltinhos e dizia palavras de baixo calão em
ofensa aos imperalistas.Tudo muito romântico mas tudo muito viril,
claro.No melhor estilo do populismo militar e revolucionário.

Resta, entre tantos outros exemplos do salutar
populismo latino americano, o nosso Lula, profundo admirador de todos
estes aqui mencionados.Lula não é índio, não foi militar, não joga
futebol(ou joga mal), não é mulher.Mas foi pobre, virtude mais que
divina dentre todas as escalas do populismo.Lula é o epítome sorridente
do populismo social.Disse recentemente que não tem cara de zona sul
carioca, que prefere a periferia.Deve ter dito entre um trago ou outro
de um charuto cubano ou um gole de Romanée-conti, seu vinho
favorito(5000 dólares a garrafa), a bordo de seu aerolula.Mas claro:suas
raízes sócio-político-culturais, e diria até intelectuais, estão no
gosto peculiar pelo frango com polenta acompanhado por uma cachacinha.

E assim vai se construindo o famigerado preconceito-ou seria conceito mesmo?- do que seria o perfeito idiota latino americano.

PS:este meu texto acima
foi publicado aqui mesmo há alguns meses.A repostagem é
válida devida aos fatos recentes que corroboram ainda mais o que
escrevi.