2006-08-28 21:19:00

       
  

Quitanda

Vendem-se verdades:
Cruas cozidas ásperas secas insípidas requentadas
para todos os gostos , aptidões e paladares
nos moldes definidos da safra ou opinião de cada estação
verdades mastigadas e regurgitadas para reconsumo cíclico

Vende-se a satisfação esquálida de um consolo provisório
de realidade provisória até que caiam de maduros 
novos frutos vindouros de verdades pretéritas
em novíssimas embalagens

Cobra-se a tortura deleitável de  um tormento fabricado
como soma e contraponto a uma previsível 
desordem natural das contingências
Cobra-se a pretensa cura previamente apodrecida 
que tampouco nos alivia do doce gosto
de uma mentira bem-intencionada

Em malefício do cliente, não nos responsabilizamos pelo contrapeso
da ingestão de meias verdades mal digeridas
e outras obviedades mal assimiladas 
por razões e instintos gastro-metafísicos

Como cura, oferecemos as mesmas velhas questões, 
sem nenhum encargo ou despesa extra.

Quem dá menos?

 

 

2006-08-04 22:34:00

       
  

Mesquinharia, hipocrisia e queda de cabelo

Não há miséria ou desgosto pessoal
que não possa ser aplacado um tiquinho pela desgraça alheia, eis uma
verdade inconsciente, suja, mas universal.Não é a toa que a santidade é
um estado de exceção, e que todos os santos parecem padecer de uma certa
anomalia em sua psiquê.O estado natural do ser humano é a
mesquinharia.A tentativa de civilização foi uma maneira de domar a nhaca
pegajosa do comportamento das pessoas.Claro que outras tantas ninharias
nasceram deste mesmo processo civilizatório,o que corresponde dizer que
a mesquinharia humana é ilimitada mesmo.

Mas volto à frase primeva e ilustro a dita cuja com
exemplo próprio:tenho um ligeiro começo de calvície que me aflige, dadas
as proporções generosas do meu crânio.Dois amigos meus, mais jovens que
eu, apresentam já uma calva avançada e proeminente.Confesso:é um alívio
contemplar-lhes a fronte bem mais desemcapada que a minha, o que me
tira um certo peso dos ombros.Sei que o exemplo é mixuruca e fútil, mas
estou sem muita coragem de expor minhas vísceras com uma demonstração de
uma mesquinharia pessoal mais metafísica.Mas o negócio é que é assim
com tudo, compreendem? Não há uma estupidez pessoal
incontornável ou falta de talento estratificado que não possa
ser mitigado com uma carência ainda maior de valores do próximo(quanto
mais próximo, maior o alívio, aliás).Coisa boa a natureza humana não
socializar equanimemente virtudes e vícios, mas estabelecer um padrão
mais ou menos comum de equilíbrio-a mesquinharia- que suaviza e ameniza
os desacertos.Prova de que nem todo mal necessariamente vem pra mal,
dependendo das circunstâncias.

E ainda tem um bem intrínseco neste mal, um quê de revelação moral:
quem diz que não sofre dele, mente, possivelmente sendo mais mesquinho
ainda(não, não, os santos não dizem que não são mesquinhos:ao contrário,
dizem que são os piores dos seres,almejando tornarem-se os melhores
seres desta forma- que é um caso a parte de esquisitice).Em
suma, o sujeito que diz não sofrer de mesquinharia tem a mesma
multiplicada ad infinitum pela hipocrisia, vício que, por sua vez,também
tem lá suas virtudes, como, por exemplo, a de freio para instintos
desagradáveis de sinceridade extrema que podem causar danos irreparáveis
em amizades e relações amorosas.Mas aconselha-se a devida moderação em
ambos os vícios.Alguma hipocrisia é necessária, muita é sinônimo de
falta de caráter;alguma mesquinharia é vital à saúde mental, muita é
sinônimo de canalhice.Perigoso mesmo é a tentativa de anulação de
ambas, o que pode resultar em santidade , chatice, ou maluquice mesmo,
dependendo da enverdagura do sujeito.