2007-05-31 06:21:00

       
  

Um gesto

O toque fugidio de tua mão em meu braço:
ode canhestra ao acaso em descompasso.
 
Seria uma desatenção calculada do momento
ou epifania desarticulada enclausurando o tempo?
 
Seria a distensão lírica de um atalho
ou afeto bruto coroado em ato falho?
 
A resposta inconclusa de um suposto unguento
será o silencioso espasmo de meu tormento,
 
seria, não fosse a memória fossilizada
no apetite de uma circunstância,
 
a minha espessa sombra martirizada
na angústia de uma eterna ânsia
 
(o desvio do teu olhar em constrangimento
 reconduz o tempo a seus recortes formais
 
 desterrando o gesto do seu intento
 a ele arraigando epopéias abissais).

 

  

2007-05-21 23:09:00

       
  

Estilhaço de um reflexo partido

Quem é este que me espreita em meu reflexo?
Avesso turvo de um eu ignorado
imagem pedaço de um Narciso estilhaçado
sombra túrgida de um corpo desconexo

Princípio já antigo de um velho conformado
às nuanças da curva de uma espiral descendente
Reencontro atávico ao feto afluente
epitáfio vivo de um sonho ressuscitado

A que projeção se destina a imagem
partida da intenção de meu projeto?
Reflexo retórico de um espelho abjeto

a esterilizar o avesso de uma miragem:
tortura miserável a ser consentida
entre o embrião imaginário e o personagem sem vida.

2007-05-10 12:58:00

       
  

Invisível

Ainda não me veem
mas já tomam de assalto
o que nunca me pertenceu

Já não me tocam
e contemplam o vazio tátil
das minhas chagas abertas

Percebem através do que não sou
a sombra viva da caricatura
dos meus ganhos em perspectiva

Intuem do toque sem tato
a pele ressequida pelas perdas
passadas em projeção

Dos olhos, vislumbram o tempo entranhado
nos desvios do desejo não consumado

Dos olhos, vislumbram a vida despendida
nas edificações dos atos trespassados

Não me veem
mas já constroem o monumento vivo
das ruínas que são – ou creem- minhas.