Um gesto
Poesia
Um gesto
Estilhaço de um reflexo partido
Quem é este que me espreita em meu reflexo?
Avesso turvo de um eu ignorado
imagem pedaço de um Narciso estilhaçado
sombra túrgida de um corpo desconexo
Princípio já antigo de um velho conformado
às nuanças da curva de uma espiral descendente
Reencontro atávico ao feto afluente
epitáfio vivo de um sonho ressuscitado
A que projeção se destina a imagem
partida da intenção de meu projeto?
Reflexo retórico de um espelho abjeto
a esterilizar o avesso de uma miragem:
tortura miserável a ser consentida
entre o embrião imaginário e o personagem sem vida.
Invisível
Já não me tocam
e contemplam o vazio tátil
das minhas chagas abertas
Percebem através do que não sou
a sombra viva da caricatura
dos meus ganhos em perspectiva
Intuem do toque sem tato
a pele ressequida pelas perdas
passadas em projeção
Dos olhos, vislumbram o tempo entranhado
nos desvios do desejo não consumado
Dos olhos, vislumbram a vida despendida
nas edificações dos atos trespassados
Não me veem
mas já constroem o monumento vivo
das ruínas que são – ou creem- minhas.