Enterro de uma possível ressurreição
O tédio corroeu meu poema:
entranhou-se no verso quebrado
da minha rotina carcomida
pela prosa burocrática do cotidiano
A preguiça estancou minha epifania:
esmaeceu o hiato épico
do instante lânguido do encantamento
somou a contagem cartesiana
dos segundos do porvir desenganado
aos anos escoados no passado desencantado
O sono matou meu sonho:
emprenhou de cansaçoes turvos
a inconsciência da memória criativa
impôs a lógica de uma treva calculada
à ficção feérica da invenção de mim mesmo
A espera matou minha esperança:
cumulou de desgostos entulhados
a utopia reticente aos fatos
que descrevia o lugar nenhum
de uma gênese sempre ressucitada
O poema, no entanto, segue adiante
coroado pelo esquife que o abriga
sorrindo capenga dos destroços
que redimem sua glória previamente arruinada.