2009-05-18 10:32:00

       
  

Feliz

De onde vem este sopro frugal
a macular minha doença?
Que verso compassado é este
que desalinha minha encruzilhada?

O esboço do corpo inviável desaba
ao toque estéril da alegria primeira

Ora virulento, o afago da felicidade
não mais se coaduna
ao sentido torpe de desvio
batizado por meu tempo

Protesto contra toda beleza
que, injusta,
corrói o bem comum,
esquartejado pelo desejo

Protesto contra o ego,
este que agora me encima
e me embrulha
oferecendo-me à doçura nefasta
de minha complacência

Protesto contra o êxtase,
que estupra meu sono

Protesto contra a plenitude,
que me arranca de meu beco

Mas meu berro não reverbera aos meus ouvidos
que só ouvem
o surdo som de meu sorriso.

2009-05-10 04:20:00

       
  

Outro dia

Livrai-me do nada, eu pedia
E o nada persistia
Bravio, indômito, a vencer o meu dia
Como, de resto, nada mais podia
contra o nada, me rendi,furibundo
com nada mais a colher do mundo

Mas eis que um certo velho dia
do nada, plantei a epifania:
do pretenso nada criado, criei seu avesso
tatuado na carnadura do começo
de um ato trespassado por seu fim
(liberto de nada, enfim?):

bastou um aceno ao vento
e este, em prestimoso lamento
me soprou, em tediosa harmonia
que o nada nada mais podia
contra a brutal indiferença
do nascer de um novo dia

Livrai-me do nada, eu pedia
e em alegre desespero, percebia
que de seu provisório desterro
o falso nada por tudo me sorria.

2009-05-01 01:40:00

       
  

Fábrica

O fato se perde
nas divagações que o sugerem

Perde-se a natureza
na origem da semente
do fruto do desejo
que a concebe

Plácida, toda intenção de real
dilui-se na fábrica do acaso

De fábrica em fábrica, revela-se
o espelho do que inexiste:
toda morte é um hiato da imaginação
toda vida é um atropelo da carne que a ultrapassa

Perfaz-se a curva(também fabricada)
que retorce as tangentes
e sublima as retas:
do afeto-também fábrica-restamos nós
iludidos
enganados
agraciados
por nossa opção única
de eterna reinvenção.