Dois poemas
À ESPERA
Desde sempre, ainda te espero
quando tua ausência já se firmava
e fincava a esperança da morte de nosso abandono
Te espero continuamente
desde antes e depois
da espera de caminharmos juntos
não um caminho contínuo
mas um emaranhar de passos entrecruzados
desencontrados no encontro desesperado
de nossas encruzilhadas
Te espero no retorno
do que não foi ou será
mas na volta cíclica do que é
ou de além do que venha a ser
na perene presença da ânsia
na vinda eterna da descoberta sacralizada
na memória brutalmente onírica do instante
que arrebenta a fome do toque esperado
que inviabiliza o tempo
que implode a espera
e que revela tua presença atemporalmente
mais próxima
do que jamais conceberá a distância
DESAFORO AFETIVO
Não mais possuo os restos vivos
do teu desejo fabricado pelas circunstâncias:
é de outro hoje e sempre por enquanto
teu corpo materializado pela perda
Mas ainda sobrevive, impávido, o vislumbre constante
das tergiversações de teus (des) propósitos
Meu chão renovado é a tua impermanência
onde me aninho no ventre prenhe de tua incerteza
Meu esteio é o contorno infantil
de teus lábios crispados
em tortuoso irônico pretenso sorriso vitorioso
a zombar-inadvertidamente ambivalente-
insciente de teus tropeços calculados
e da urdidura de tuas quedas
Meus afetos sinceros
vão para teus nossos projetos previamente destroçados
onde e quando então, de nossos pedaços misturados
recolherei fragmentos
da memória de nossos corpos unificados
e erguerei a estátua de nosso assombro despedaçado.