Necrológio de um permanecente
Não tenho tempo para morrer
porque me descuido da vida
tergiverso de fatos e circunstâncias
irremediáveis e irredimíveis
Minha lânguida covardia
me salva da criação do meu fim
Sem tempo para a morte
porque tempo se cria
na revelação do hiato
entre uma intenção e um nada
porque morte não há
para o que se condena a estar vivo
na métrica de uma angústia planificada
postumamente à sua anulação
Não tenho tempo para morrer
porque de vida me consumo
porque de vida me anulo e me aninho
no colo das sutis mortes cotidianas
de meu tempo
Onde morte há(talvez) habite
a pretensa ilusão de um fim
Que seja
Meu fim eu entranho em meu princípio
onde o tempo é artífice de meu autismo voluntário
e consciente
do vital sonambulismo
onde permaneço
sem tempo
sem morte.