Falta algo
Sempre falta algo
Algo além do que limita o horizonte
algo mais ou menos
do que o caminho nos delimita
algo que atravessa o olho
que cruza a encruzilhada
para algo que se interpôe no meio
do desvio ou da queda
que me ergue do erro
Falta quase o que sempre resta
no cálculo preciso que pede vênia
à imprecisão da limitação dos sentidos
Falta pouco à perfeição dos números
que concebem uma estrutura
cuja matemática se esgota
na conta que não se fecha
no infinito que define
o que sou e o que me falta
Falta algo infimamente semi-imperceptível
na harmonia quase irretocável do traje
cujo corte toca uma fibra em desalinho
com a pele que permeia a curva
que não se adapta ao talhe do corpo
que se rasga e se costura
no afã de tocar algum toque que escapa
Falta tudo ou quase isto
ao desejo de algo
por algo não ser tudo
que não se esgota no esboço da vontade
Falta algo à sobra
do que nem sei mais querer
(falta à maçã a mordida
no desenho do seu corpo?)
Falta algo à tua ausência
que não se verifica
à falta
que faz a minha presença incompleta
que não necessariamente preciso
(Falta algo à realidade
que não nos informa
sobre a natureza
de sua transcendência
ou faltaria algo em nós
que não nos descobre em essência?)
Nada falta porém
à falta mesma
que esta se esgota e se completa
na impostura
de sua plenitude desbastada