2014-07-26 23:31:00

       
  

Padeço do que desejo

Padeço do que desejo
O que quero me esmaga
e me embala
no inferno que me sustenta
Padeço do que desejo
O que quero me anula-
negando-se,criando o embrião
póstumo de sua falta
ofertando-se, corroendo seu valor
na volúpia da posse tátil
do que deixa de ser ao toque
Agarro-me , pois , à ausência fabricada,
acariciando, moldando seu corpo
à imagem e semelhança
do vazio impresso
que preenche o que não alcanço,
tateando o desenho febril
do avesso da vontade criada,
ressuscitando a criação
para que eu me reconheça
como a cria
de um desejo maior
que me transcenda
Padeço do que desejo
-e me curo em sacrifício
lançando-me ao abismo
da doação sem causa, 
ao abrigo do céu
que espelha minha queda.

2014-07-16 14:20:00

       
  

Receita de preguiça virtuosa

Carrego comigo laboriosa preguiça
viciosa virtude insciente que me salva
de outros vícios capitais
Por me enganar em nada fazer
tudo ganho em nada perder
Mas há que se trabalhar o engano
Preguiça desmazelada
a de descansar os cansaços
de tudo querer:
um homem perde-se
na acídia de se ausentar
de sua criação fabricada
Perde-se a fábrica mesma
de uma intuição verdadeira
no árduo trabalho
de sua invenção
No vácuo materializado
da laboriosa preguiça,
construo o fingimento
que me invento, quando,
mesmo inerte, sou inventado,
cientemente preguiçoso
do mamolengo da sorte que me move
e, preguiçosamente, me deixo encenar
por todos os falsos apetites
que me consomem
-enquanto os devoro
com minha insípida indiferença calculada.

2014-07-02 00:31:00

       
  

A um amigo

Por vaidade, te vingas
de quem não te adora
com a falsa indiferença
que tua íntima fome alimenta
e te devora
Por soberba, te vendes
a quem te ignora
doando-te ao preço
que negocia teu apreço
ao que te deplora
Te escalas ao avesso, pelo precipício,
caindo de ti, desde o início:
te apoias na pele do que não vês
rasgando a carne do que crês
E crês sempre no que te trai
cavando o remorso que te esvai
(receba, amigo, esta canção
como reversa oferta de perdão).