Caminho

O que eu quero vai me deixando.
Por onde passo, me ultrapasso
e me abandono um trecho.
No que em quem me deixo
resgato um rastro do que não tive
No que em quem me vive
-onde me acho-
desencontro o perdido
de onde me passo.
O que quero vai me levando
enquanto me abandono
lentamente
em descompasso
rumo à presença do que não tive
rumo à ausência do que se vive.
O que deixo vai me querendo
no abandono tátil
de onde me acho.

Impurezas do amor

Por amor, se cria, se concebe o zelo.
Por amor, se engana, se ama o ódio
Amor se turva em seu conceito e toma a forma do que ama
Amor se fecunda
em sua metamorfose permanente
a fim de sempre ressurgir de outra forma
fugindo ao instante de seu encontro
vivendo o instante de sua morte
a fim de sempre ressuscitar outro
pelo mesmo apelo de se amar sempre.
Ama-se, por sem opção, a vontade de amar,
na ausência, distância ou indiferença.
Ama-se o que anula o amor,
porque amor repara sua anulação e destrói
toda forma de não amor por não admitir contrário
mesmo em seu pretenso avesso, o ódio enganoso.
Amor não é puro
não se purifica
não traduz o que ama,
antes confunde sua desnatureza.
Amor se liquefaz no corpo do que ama,
se traça no desenho móvel de um gesto
por vezes avesso a seu intento
por vezes nunca efetuado
sempre visível
sempre transformado
na memória criativa do que ama.
Amor se derrama nas múltiplas versões
do que se diz ser amor
e não se concebe engano
ou vontade incondicional de amar.
Mas Amor se condiciona engano
que nos salva
de um acerto equivocado.
Amor se ama torto sem razão
desnudando a razão
de seu caminho frágil
rumo à queda.
Por amor se cai ao alto.

O que levo de você

O que levo de você
é o desejo de ser levado por você
O desejo de ser evadido de qualquer lugar
onde você não esteja em mim
mesmo como presença materializada
da dor do que me falta
no prazer exasperado
do que espero da sua volta
de onde você nunca exatamente esteve.
O que levo de você
é minha companhia inacabada
carente de uma outra que não me completa,
antes aninha o desconforto
da minha incompletude
que se perde em seus braços,
da minha falta de mim
que se preenche onde você sobra
nos meus hiatos.
O que trago de mim sem você
é este meu personagem em busca de uma indefinição
que não principia ou acaba,
antes se preenche de seu esgotamento
sempre provisório
em busca de algo
que provisoriamente me mate
a fim de que eu recomponha
o esboço de uma ressurreição
por você.
O que levo de você
é a intenção movediça
de jamais querer deixar de querer
ser levado pelo que me destrói
a fim de me reconstruir
à imagem e semelhança
do que desconheço
em nós.