Sei quem sou

Sei quem sou.
O desconhecido íntimo que sonho ser.
Sei do medo e do tédio que me salvam
do heroísmo que anularia minha queixa
de não me tornar o que quero.
Sei dos disfarces que uso que revelam minha nudez
que revelam o vazio das coisas que revestem
o que talvez nem queira
por saber de minha ignorância calculada.
Sei
de cada pensamento emudecido
de cada palavra desejadamente
solta ao léu
de cada ato atado pela ação
de meu sono consciente.
Sei também
por onde me ultrapassar
na ação de desvio dos atalhos
que me perdem de um outro.
Sei das mãos de um outro
– cego de si-
ciente de si-
que se conhece tão bem como eu,
sei destas nossas mãos cegas
que nos conduzem em comunhão
a um caminho de quem somos.
Sei da estranheza anônima
dos pedaços que compõem minha incompletude.
Sei da raiz
com que falo de mim
Sei da raiz
que fecunda em mim
através deste pedaços meus conhecidos
um eu
aberto à sua
-nossa –
multiplicação.
Sei quem sou.
Sei além do que sou.

semiperdas

Perder algo
como lembrança póstuma
da aprendizagem de sua utilidade:
um sapato , uma casa , um conforto

Perder algo como ganho afetivo
que encanta uma desnecessidade:
uma jóia , um brilho,
uma pele que escama um tempo
ganho na construção de seu vazio.
Perder o indefinido
a fim de rever os ganhos:
uma palavra , gesto esquecido ,
ainda não perdido
porque ainda não dado .
Perder tudo
como ganho do sentido da perda:
alguém
algo de pertencido
mas jamais achado de todo ;
algo sentido e vivido .
doído
porque jamais de todo
perdido.

Personagens para um só comediante

Tal qual Pierrot que aprisiona a paixão
que se cria
abraçando a suposta rejeição
a quem se doa
para não libertar o amor
que impedisse o ideal de mais amar.
Qual Arlequim que engana o que sente
debochando da conquista pela covardia articulada
que devora o medo de sua doação
e se ri,
engolindo a lágrima da inconsequência
de como ama.
Ou como Colombina que ama sem causa
inconsequente apaixonada pelo amor
ignorando sempre o ser, o objeto que ama
Tal qual um amador
amando sua experimentada inexperiência
vestindo devorando aprisionando libertando
sempre um novo personagem
nova máscara
( onde a pessoa?)
para uma velha e tão real farsa
que renova o ideal
de sua intenção.