Mensagem

Receba esta mensagem
que pouco diz
do que quer dizer.
Que se cria o que sente
à medida que se escreve.
Que se reinventa como intenção
à medida que se cria.

Receba o que vive
à medida
em que morrem outras tantas
possibilidades de encontro.
Desesperada espera por incomum ação
de comunicação.

Receba-me como destinatário
do que não sei como dizer
do que não sei como sentir
à medida
em que me mato
a cada escolha e invenção
para a mim
sobreviver.

Receba você
O que não quer
do que não sabe receber
por não se saber
por não me saber

Receba esta falha
como plenitude:

que não se encerra
como erro
que não se esgota
como acerto

que nos lê
como tentativa de toque:
para além
de se reconhecer.

História

Caminhamos.
A passos cautelosos
avançamos no passado
para chegar a algum lugar ausente –
perto do presente.
Caminha-se:
porque o lugar de chegada
se esgota
no ideal fabricado
de sua imobilidade.
Caminha-se.
Porque nunca se chega.
Porque as chegadas se esgotam
pelos passos que as caminham.
Porque os lugares se mudam
pelos caminhantes que os movem.
Caminhamos
por entre passos passados
ora mortos
que traçam um futuro revisitado.
Caminhamos
mesmo parados
o agora escapado.

Parto

Abandonado o ventre,
o filho começa a caminhar
o aborto cotidiano das perdas:
aprende a perder o conforto uterino
para se doar enquanto vida
e promessa de amor pleno,
porque justamente desarticulado,
infenso ao conceito amoroso,
que sufoca e confunde o amar.

Aprende o filho a expressão da fome:
do leite, do afeto, do toque.
Aprende a mãe a saciar a fome
de sua parte apartada.
Aprendem juntos, mãe e filho:
amor se aprende, se perde e se ganha
na separação dos que se amam.

Abandonado o filho
ao ventre de sua liberdade.
a mãe reconhece no feto adulto
a fome do amor que nunca se aparta:
o trabalho de parto que nunca se acaba.