Só não perdoo teu perdão,
este que prende
a eternidade ao momento
construindo a dissolução
do meu ressentimento
e me deixa atado à tua mão
à sorte da liberdade
vigiada pela compaixão.
Só não entendo tua compreensão
que embala os passos de minha ignorância
que cala os atos da minha violência
que silencia a voz da minha solidão.
Só grito mudo a resposta inaudível
do preço impagável
da doação.
O feio
Era vesgo, como Deus:
seu olhar mirava todos os cantos
e em nenhum lugar
brotava sua ausência,
como promessa de presença nunca saciada,
eternizada em eterna fome.
Era manco, como o diabo:
não andava, titubeava
na intenção da caminhada.
E parava:
olhando o céu,cego pela empreitada.
Era torto,portanto humano,
tudo queria,
tudo fazia
e nada entendia.
Mas porque não morto
se mexia.
Era feio,
porque a beleza não lhe bastava
feio porque o desejo o insultava
Feio, pois para os fins,
o belo era o meio.
Quadro
Olho o que sinto.
Ao longe, percebo
o que de perto engole
a cegueira de minha fome:
afago o corpo,tantas vezes ausente:
pedra talhada do toque
que molda o que sinto.
Toco o que sinto.
Afago a iminência da perda.
A perda se perde na miopia
do que sinto.
Estou vivo
e enquanto ganho iminente de perda presente,
memória sem tempo de ausência
– me sinto.
Vejo já o que não sinto.
Afago a pedra que esculpe
o desenho da ausência.
Sinto que deixo de sentir
e ao sentir que não sinto
minto
pois restauro no vazio
falsamente
não sentir
o que pinto.