Jó revisitado

Nem é dor
é algo menor – e pior:
a calma estática de um vazio
que se toca e me devora

Não é o mal que dilacera
É o médio que me aflora:
o meio termo
dos sorrisos estéreis
que se riem
do deslugar que estão
do nada que são
e se abençoam
maldizendo
toda palavra nova

É o gozo do circo sem pão
que vomita sua miséria
na fome da bactéria:

o cair suspenso
do heroísmo brotado
na vilania de uma ação

o despercebido herói
infenso
ao sentido do irmão

É um querer algo
que por se querer prazer
se assemelhe à dor:
como flor que desaflora
esperando pela raiz
que a implora.

O espelho

O espelho não diz mais
de como não me vejo
ou me escondo
do reflexo
de como minha imagem foge
da realidade que me invento.
( eterno instante sem momento)
O espelho realiza
a cegueira tátil
do que não se toca:
imagem em dissonância-
reflexo invertido
ao desalcance do desejo.
Reflexo reflete
o que se mostra
e não se pensa
e não se sente
como corpo do vidro
que não se abraça.
O espelho não me olha:
reflete o que não percebo
e não sou
no instante
em que não te vejo.