O santo

Respondo à bofetada
com o afago do rosto
que acaricia a mão da ofensa

Não respondo o mal
com um bem
que o mal é uma ausência
que se toca
em sua ignorância pegajosa
que cobre a placenta
de seu feto natimorto

antes embalo o feto
que ora morto
viverá para devorar
a vida do filho que o adota
( mas vida não se esgota
nem na morte que o aflora)

Beijo o mal
como à ausência
de uma boca que me nega

Toco o mal
com o desespero estático
de um desejo que se embota

Acaricio a bofetada
como uma fome
que me implora

Torturo o mal
que de mim se emprenha
Sou o aborto vivo
que da morte desdenha.

Manual prático do amor

O que se ama é um estado de amar
não alguém , não algo.
O que se ama
é a criação
da vontade de algo, alguém
esboço do ideal inclemente
que mata o idealista
sempre assassinado
por sua póstuma ressurreição.

Ama-se na pedra bruta
a escultura que se esconde
ama-se na estátua revelada
a espera por seu movimento

O que se ama
é a falta tátil
que mora na procura

Realiza-se o sonho
no sono da realidade
de onde jamais se desperta

Não se ganha
não se rejeita
ou se é rejeitado
no que se ama
onde se sonha
a vontade da falta

O que se quer do real
é que ele desabe
qual estátua
que exploda em construção
à pedra bruta
da vontade insaciada
de sempre mais amor.

A psicanálise no divã

Nenhum ajuste
ocupa a ausência
de um braço amputado

Nenhuma adequação
satisfaz a vontade
de um outro braço
do corpo que o perde

No entanto
nenhum corpo se basta
completo que seja
sem outros braços
que o abracem
ou olhos e bocas
que o sintam
na ânsia de algo mais

No entanto
todo algo mais
é tão menos
na masturbação coletiva
de tantos abraços
que envolvem e acariciam
um ego

Nenhum ajuste
jamais ocupará
a fome do milagre
a ausência do milagre

No entanto
o milagre é tão presente
e insistimos em não abraçá-lo
por excesso de braços.

Na cara

Por sinceridade
seja um pouco hipócrita
pra enganar a arrogância
de tua certeza absoluta

Por honestidade
minta um pouco
pelo franco prazer
de dizer à verdade
que ela não se basta.