Nu

Nu

Nenhuma nudez será suficiente
para encobrir o que veste
sua intenção.
Não há alma que sacie
o fundo da sensação
do toque da superfície
de uma pele que não se esgota
nem corpo que se acabe
no movimento
que reveste e esconde
a pele do fundo de seu desejo.
Cria-se pelo toque
o objeto que movimenta
a mão que investiga
seu gesto que esculpe
sua cega intenção.
Cria-se no gesto
que desnuda o vazio
o objeto
do desenho do toque
que acaricia
e violenta a questão:
não há uso sem abuso
não há olhar ou toque ou criação
que não assassinem
o ideal de uma ação.
Não há nudez
que não vista
o corpo de uma ressurreição.

Conceito prático

Inventamos amor
e amor nos inventa.
Amor é humana invenção
que cria humanidade
que mesmo no fim
amadurece
sua puberdade.
Amor é humana criação
real imaginário
que nos cria mata vive embala
para além da invenção.
Amor é o gestual de uma farsa
que se interpreta e desata
para além
da mais real realidade.

Ir

Quando nenhuma volta
acalma teu desejo de partida
quando todas as partidas
chegam ao lugar nenhum
do prazer que se encerra
em sua chegada.
Quando se vive
entre a espera
da vinda de um gesto
que se indefine
e o gesto que não vem
cujo aceno
sequer tem o carinho
de uma bofetada.
Quando o que se vê
não sacia a desesperada paz
de uma cegueira.
Quando o quando
perde seu lugar de morada.
Talvez seja tarde
e não se chegue
ao certo
ao lugar de intenção
mas por certo se salva
após apodrecida pela razão,
a maturidade
da fé cega de uma criança
que olha para além
dos lugares
que desabrigam
a viagem
de tua eterna e presente
partida.

A causa final

A estátua está pronta
dentro da pedra
tocada pelo artista.
A pedra está pronta
dentro do corpo
esculpida pela mão
do sentido
que não se toca.
Uma onda se esculpe
pelo movimento que a dissolve
e se reergue
pela memória do olhar
que a absorve.
A estátua se move
dentro da pedra
esculpida
no corpo do artista
qual onda movida
por petrificado
sopro de vida.

poema claro

Criava pessoas
à imagem e semelhança
do personagem que para si
também se criava.
Não criava afetos, amores
Antes criava distâncias
inarredáveis
entre ódios, ausências ou indiferenças
que jamais tocava como realidade.
Descriava o medo de entrega
por pavor da covardia
Pregava no deserto
a sede que o justificava
Não negava o deserto
mas sorvia a água que não achava
e que banhava sua suicida intenção
que sempre o ressuscitava
Deliberadamente cego à cegueira
da luz excessiva
que turva a visão
enxergava para dentro do toque da criação
que encastelava sua fome de clareza
à sombra do abraço que o esfaqueava
Recriava a traição
por fiel princípio
de vingança:
fielmente
amando o traidor
Criava pontes de areia
que naufragavam na criação
enquanto estátuas de mármore
lhe sorriam
– soberbas
plenas de inação.