Em nome do bem, um mal provisório
que se instala num quarto
como convidado de véspera
e prolonga a visita
alimentando a casa
e a todos cativa
com sorriso familiar
e a todos mata
felizes
com palavra exemplar.
Em nome do amor, uma bofetada
que deseduca a indiferença
e ensina a paixão de um ódio calmo
e generoso em sua retribuição
sem cálculo.
Por justiça, o sacrifício
do injustiçado
que se martiriza
pelo nome
do que não sabe nomear.
Pela vida, matar-se
por um ideal além do alcance
que desconversa sua oferta
ao ofertar-se em invisível horizonte.
Por um gesto insabido
por um olhar encolhido
por uma palavra inventada
por doação impensada
um bem provisório
que se instala nos fundos
e parte, ligeiro e discreto
logo esquecido
mas que promete voltar.
Violência
Uma enorme gentileza
no modo como me violentava
Um discreto pudor
com que experimentava
o toque idealizado
da bofetada de uma carícia
ou o afeto honesto
de uma bofetada
Delicadamente
também me desprezava
Com ódio
me respeitava
Com amor
me torturava
Nada me pedia
ou ofertava
Com doação sem causa
me ignorava
Com terna
e paciente indiferença
me acariciava
Uma enorme gentileza
no modo como me violentava
Uma brutal delicadeza
no modo que sua adoração
não me olhava.
Caminhava
à sombra de seu abraço
que me estrangulava.
Por fazer
O gesto não feito é sempre o mais lembrado
a palavra não dita é sempre a mais ouvida
Todo caminho não trilhado
pavimenta seu desacontecido
na memória
do amanhã que ainda ontem
não se perdeu
Todo caminho não trilhado
se encontra hoje
na noite
que ainda não amanheceu
A palavra ainda não escrita
é sempre a mais buscada
O gesto ainda não descrito
é sempre o mais louvado.
O transeunte
Passeava.
E devorava tudo que passava:
bocas, olhos, pernas,
sombras de corpos
de almas
que criava
à imagem e semelhança
da realidade insabida
de cada um
cuja distância tão próxima
o esmagava.
Andava
Engolia sua fuga
que em si se dissipava.
Tudo queria, a todos pedia
o nada de si que vomitava.
Como fixar em uma só pessoa
o coletivo que arrendava?
Não amava. Desesperava
a espera por todas as outras
que em nenhuma só pairava.
Implorava silencioso
a tudo que o negava
enquanto comia a fome
que de si exasperava.