Não basta

A vida não me basta
a vida não se basta:
não esta que eu realizo
nem sequer a outra que idealizo.
Não me basta você que eu amo e perco
nem a perda do que amo em você
nem me basta não encontrar você
onde me perco no engano e sonho
em outro alguém
que nunca se acha.
Não me basta não bastar
e não entender o que não me basta:
esta fome de querer mais
do que não me sacia.
Não me basta viver
ou não se viver
ou se perceber o real
e não se realizar o que jamais se desata
em outro lugar ou outro alguém
que nunca se mata.
Nem me basta morrer ou não morrer
porque em morte
vida não se acha
porque em morte ou vida-
vida não se acha.
Nem me acha o engano de lhe encontrar
ou me ver
na ponte de me perder
porque encontro não se acha
na perda que não se basta
na vida que mesmo
no sonho real de se viver-
não se encaixa

Uma vida em breve cronologia dentária

Um primeiro dente nasce:
primeiro esboço da fome
de liberdade
que morde
o seio ausente do conforto.
Um primeiro dente cai
decepando a primeira infância
enraizando novos caninos
que devoram a mordida do sentido
de uma nova arcada.
Outros primeiros dentes caem
desenraizando o sentido da falta
que suga o desejo de uma nova infância.
Próteses dentárias nascem
e mordem o silicone
de um seio que nutre
a fábrica madrasta
do desejo
de um tempo que se trai

Significado

Um corpo não revela a ação
que o anima
nem o desejo
que o ilumina:
a si o seu mistério
se ensina
A ideia
abriga a ação
que a executa
e desnuda o roubo
no ato
que a transmuta
O passado
do presente nunca se ausenta
e recriado
do futuro se alimenta
Toda morte
contém a vida
que a remove
Toda palavra
ilumina a sombra
do que ela esconde