Uma folha que cai
se ergue
no momento da eternidade
de uma queda
que jamais desacontece:
um momento
jamais passa na história
que o aflora.
Um bicho se sabe imortal
devorando
cada seu momento
de eternidade
sem ciência da morte
que ignora.
(O homem
que cuida da morte
– a vida ignora.)
Um amor que cai
se ergue
na brevidade
da ação
que colhe sua vida
num eterno agora.
Entendimento
Uma criança me sorri
ao concordar tacitamente
por razões razões avessas
a tudo que lhe disse.
Sorrio de volta
por compreender
menos sua incompreensão
mas o afeto de sua cega tentativa
que nos perdoa
toda falha de comunicação.
Sorrio de novo:
eu sou a criança que descobriu
na oferta esquiva da outra
a real comunicação
para além de sua intenção.
Felicidade
Há algo de torpe no que se diz felicidade :
algo que arreganha os dentes para a própria cegueira
Há algo de justo e cego na mesquinharia
que inveja o que ninguém jamais deveria possuir :
a felicidade que não fosse um sutil sorriso fechado
que cobrisse os dentes que mordem a violência
de sua indiferença
há algo de irreal no que se quer felicidade :
algo alegre que zomba da plenitude provisória do êxtase
Há tudo de pleno no precário que lhe prende
algo de pleno em ser realizadamente infeliz
pelas mais belas razões
que libertam novos dentes
que mastigam contentes
a carne cozida do contentamento
Justo
Injusto é tudo que não se ajusta
à justiça em que tudo enquadramos.
Não é justo o aceno negado
da beleza que se esconde
diante da procura que a inventa
Não é justa a feiura distribuída
que encanta as visões encantadas
à aparência de beleza
que inebria os cegos
que tateiam sua fome.
Não são justas as porcões de fome
que se distribuem no pão farto
engolido pela gula
que vomita seu apetite indiferente.
Não é justo o desejo
que jamais se ajusta à intenção
da oferta que o engana.
Não é justa a palavra inadequada
à expressão de sua intenção
que batiza sua sede de sentido.
A justiça se desintegra
na integridade que a sonha.
Mas o real não sonhado
não vale
um indolente acordar desesperado.
Justo
é o corpo
que não se molda
ao tamanho de sua desmedida
no universo que não vê
a consciência que o abriga.
Sobre tudo
Não só o que foi feito não se desfaz
como o não feito não se refaz:
a palavra perdida, a ação omitida
jamais se perdem na ação omissa
que finca no tempo sua tatuagem
do nada
que desenha na carne
sua cicatriz do esquecimento
que se lembra de si a todo instante.
Nada nunca é perdido
na corpo coletivo
da memória que paira acima
do escondido:
teu gesto de recusa é aceito
para sempre pelo testemunho
das pedras, da falsa indiferença
pela presença de um silêncio
que sussurra um berro incontinente
em alguma consciência
que ignora teu olvido.
Tua justiça calada
é ouvida
pela voz que ecoa
o apelo de sua consciência
o apelo de tua transcendência
para algo além da falsa ausência
que a acompanha
que te acompanha.
Teu amor ignorado
ou tua ingratidão
ao amor ofertado
são para sempre lembrados
pela história de uma íntima
solidão coletiva
que povoa cada tua ação
cada tua intenção.
O que foi jamais retorna.
Mas o que é jamais se esgota:
um erro se faz mais acertado
pela lembrança futura
de um acerto ainda
nunca de todo consumado.
A imperfeição nos sublima.
Nada, nenhum ato, omissão, pensamento
nem ninguém
jamais estão sós.
Objetividade
Procurar as pessoas certas.
Mas não existem pessoas certas.
Consertar nossos erros
nas pessoas incertas.
E acertar os teus- nossos-
próprios desacertos.
Falamos
Falamos
para tentar
ouvir compreender
o uso da nossa voz
Falamos
para tentar ludibriar
berrar
o silêncio
que nos responde
e escuta.