Montagem

Fabrica-se um ser humano pelas faltas que o amparam:
a ausência de meios de sobrevivência do recém-nascido
o ensina a amar a mãe que o alimenta;
a ausência do pai omisso ensinam
a consciência da necessidade do amor
que a criança cria em seu primeiro esboço de adulto;
o que falta no primeiro amor negado do adolescente
faz sobrar a rejeição que ele inutilmente nega
como oferta de aprendizagem do não
que limita sua fome
e alimenta sua doação.
Fabrica-se a falta pela necessidade
que aleita o prazer insaciável do humano:
óculos que permitem ver o que a miopia
ensina a não olhar para aquém do todo
que compõe algo ou alguém;
rodas que caminham distâncias imensuráveis
entre paisagens de uma pessoa para si mesma
que enfim se enxerga e acha no vizinho
em caminho incompleto;
cabelos implantados em áreas de afeto não irrigado;
silicones em murchas capacidades de tocar;
próteses penianas que se enchem
da ausência de alguém que se esvai
na flácida lembrança do ideal nunca alcançado.
Fabrica-se um ser humano pelas faltas que o revelam:
o primeiro sorriso da criança que traduz
o prazer sem causa de haver nascido;
o último beijo ainda não dado a quem se ama
na memória do redimido.

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