Lembro-me exatamente de tudo
que não aconteceu:
recomponho lugares pessoas situações inexatas
aos moldes do lugar nenhum
da desmemória
que cria o sabor dos contrapesos
de uma realidade que teima em brotar
de um sonho fugidio
Lembro-se de fugir do sonho mesmo
para atropelar uma realidade criada
pelos próprios limites
e criar minhas próprias frustrações
aos moldes do meu sonho negado
Lembro-se com detalhes, diálogos, humilhações
de brigas futuras
que jamais aconteceram ou acontecerão
com os amigos mais próximos
com amores mais fecundos
de desejos mais inexatos
brigas em que luto
com a água turva de meus afetos
mais intimamente odiados
pelo apego desesperado
a todos eles
pelo apego desesperado
ao medo de me perder de todos
que me prendem
ao amor que me crio
e me esmaga
Lembro-me de odiar em silêncio
tudo que amo e me amedronta
a fim de destruir em mim
minha dependência
ao que me mantém vivo
e esmaga cotidianamente
Não preciso me lembrar
de sorrir cordialmente
sempre
no bom dia
a todo aquele
que finca dentro de mim
tudo o que me desespera