O que importa
é menos o pão ganho
com o suor do rosto
que a vontade do gosto
que prova sua conquista.
O que importa
são os olhos da criança
que justificam o gosto do pão
que os olhos do pai
saboreiam na boca do filho .
O que importa
é o sabor amargo
do pão que enche a barriga
da ausência dos que
só provam o suor da tentativa.
O que importa
é a boca aberta
que prova a fome
do outro
e se sacia
no sabor
de uma ausência compartilhada .
Psiu
Te contar um segredo:
a vida, esta daqui,
não vale tanto assim pelo que oferece.
Nenhum prazer ou dor
justifica a criação de um sentido.
A vida se justifica pela tentativa
desesperada
por uma espera
que jamais cessa;
a vida se justifica
pelo que ela não mostra,
por algo mais
que a ultrapassa
e que tocamos pela tentativa
de algum erro
mais acertado:
um amor heroicamente ignorado massacrado,
criado na ignorância orquestrada do desejo ;
a tentativa de ajuda por
uma ideologia incompleta;
uma mentira alentadora
a um desenganado;
uma esmola
a quem nenhuma posse
resolve a sua fome ;
uma cachaça
a quem tem fome
de além do que come.
Não se engane jamais
por quem diz
que nada
pode ser feito.
Tudo é feito
e tudo melhora
embora nada resolva
esta fome eterna
que nos devora.
Te contar um segredo:
a vida nada tem
de secreto
naquilo que ela
não ensina;
a vida berra o que não diz
enquanto não escutamos
e agimos contra
o silêncio da resposta.
Repetição
Chega um tempo
em que tudo se repete:
os gestos nos trabalhos do dia ,
o trabalho na construção dos afetos ,
das amizades , dos amores ,
o trabalho
da construção e lapidação
das paixões e ideais .
Se repete um rosto renovado
de um mesmo sentimento construído
em um outro rosto ,
se repete o abraço que enlaça a velha vontade
de um outro corpo :
talvez o mesmo corpo reinaugurado , talvez
um outro à mesma vontade enlaçado , talvez nenhum corpo , nenhum abraço
à mesma vontade despedaçado .
Repete – se o rompimento ,
o desgosto ,
que por cotidianamente repetido
torna – se
sem nenhum amargo gosto .
Repete-se o gosto
de um pretenso
gosto de algo já provado .
Repete – se
a vontade de se matar
que por tão revivida
torna a morte
tão repetitiva
como a vida .
Não :
a morte não nos cura
Da vida que é repetição .
Repete – se o amor reinventado
na face do filho
que cresce
e torna – se
um mesmo outro
à lembrança sempre atado
a todo o tempo sempre amado
ao amor sempre reinventado .
Repete-se a memória
do filho
que nunca tive
à esperança sempre
amarrado .
Tarde , percebemos
que desde muito cedo fomos
e somos felizes
na espera pela felicidade .
Repetimos a espera
tentando não saber
que a esperança
não seja uma quimera.