O eterno

Nada espero da morte
nem mesmo o fim
nem mesmo o nada
que definido
passa a ser algo enfim

Suicida vital
tudo espero da vida
esperançoso
desesperado de mim
lambendo as chagas
do meu mal –
Eu , meu festivo canibal .

Nada finda
tudo é constantemente
ainda .

Parto

Nascia em mim criança
a todo tempo
mil traços de destinos.
Mil passos de heróis distintos percorriam
o chão do sonho
que flutuava
no céu
de todas as possibilidades.
Parido o homem
trago na boca
o seio do tempo
que seca o leite
das projeções:
o câncer que aleita
minha maturidade .
Hoje fatio a realidade
no pedaço de sonho
que me coube
onde ressuscito cotidianamente
a sombra da criança
projetada
pela estrela morta no céu
cujo brilho ainda se vê
nos anos luz
que levam a enganar
os olhos que por ela
ainda se iluminam .

Sísifo

Carrego diariamente
esta pedra ao alto da montanha
que rola sempre abaixo
no momento da chegada .
Maldigo e perfaço
o caminho
por falta de encruzilhadas
que orientem outro destino.
Ama-se a vida por falta
de opções mais claras .
Aprendi a amar a pedra
pela maldição que me obriga
a caminhar .
Aninho a pedra
como ao filho
que me ergue da queda
que seria uma eterna chegada
ao topo da montanha
que mataria a caminhada .

Só sinto saudade do que nunca aconteceu

Só sinto saudade
do que nunca aconteceu .
As cicatrizes
da vontade contrariada
E do tempo perdido
em vontades esgotadas pelo erro
Ou o gesto de conciliação
Ou de necessária violência
abandonados
deixam marcas indeléveis
no corpo do vazio
do jamais acontecido .
Só sinto falta
do passado desacontecido
por falta de coragem
ou ausência
de chance .
Só a falta da chance
por falta de vontade
de construir chance.
Só sinto falta
da vontade exata
e madura
que hoje inaugura a razão
que me faltava antes .
Ou nem tanto :
sinto também saudade
da vontade irresponsável
da juventude cega
que inaugurava
a força da vontade
que hoje falta .
Sempre
nunca sinto saudade
da palavra exata
que define o que me falta .