Poder

Nada pode uma criança
contra a mão violenta
que lhe avança.
Nada pode a esperança
do homem que estende a mão
ao desejo da mulher-
que não lhe alcança.
Nada pode a mulher
contra seu desejo no reflexo
do espelho
que não a quer.
Nada pode – homem ou mulher
contra a estúpida mão
de quem lhe esmaga
contra a frágil mão
da criança que lhe afaga.
Nada quer o tempo:
apenas observa a criança
a cultivar no vento
o poder de sua esperança.

Imortal

Imortal é o tempo
da memória do momento
que jamais se esgota
a contento

Imortal é a cicatriz
que imobiliza o tédio
como insalubre remédio
a salgar o vento
que pesa o tempo
qual risonha meretriz

Mortal é a eternidade
que finca raiz na saudade
e desterra o tempo
de seu único intento:
o breve instante
que nos vive e morre
em que escorre
o unguento
que quase toca
algum vento
de mortal felicidade.

Quase verdade

Sempre acreditei
em tuas mentiras
não como verdade escamoteada
mas como o lugar nenhum
de uma realidade
verdadeiramente falseada
de uma realidade fundada
pelo teu olhar sobre mim
que a moldava
e me criava
aos moldes da mentira
tão lírica
que eu também
nos contava.