Pathos 2

Padeço dia a dia
de uma saúde estéril.
Acordo como bebo sorrio vivo
reproduzo
uma vitalidade que transborda
uma falta de sentido.

Metástase de uma saúde
que espalha sua entediada alegria sem causa-
seu câncer fecundo e contente .

Me cura a procura
por alguma doença
que me salve –
alguma morte provisória
que me embale.

Morrem momentos dia a dia
Adoecem sentimentos
Padecem ideias e ideais
Entedia-se o prazer
Esgota-se a espera
em nome de alguma esperança.
Enruga – se a esperança
até surgir um vírus –
Paixão doença vontade –
um feto imprevisto
que nos infecta
de uma outra procura.

Certas doenças nos curam
de uma saúde sem causa
Certas doenças nos geram
sintoma de vida

Didática

Acaricio teu ódio
como à criança recém nascida
que nada entende da vida
que a recebe
e chora pela dor
do conforto perdido
do sono no ventre.
(Despertar dói e demora
e se adia a toda hora. )
Toco teu ódio e o aleito
como a mãe que amamenta o filho
que devora o que não entende.
Teu ódio aninha o amor
que lhe tenho.
Tua cegueira ilumina
minha vontade de te enxergar
para além da fome que tens
em me esmagar.
Teu ódio me ensina
a contigo caminhar.

Quebra

O chefe que desconta
no empregado
o ódio por um negócio perdido
O empregado que desconta
na mulher
seu orgulho ferido
A mãe que desconta
no filho
o casamento destruído
O filho
que acaricia seu cão
com um gesto redimido .

Caminhamos

Caminhamos.
Pralgum canto indefinido.
Passamos por pessoas , encruzilhadas , caminhos
que criamos que justifiquem
nossa jornada.
No meio do caminho
Àlguma mão nos apegamos.
Mesmas mãos que muitas vezes
nos empurram para o nada.
Mas nada nunca há
pra além da queda
do chão que nos embala.
Caminhamos sobretudo
por sobre nossa queda estatelada.
Pé ante pé , retomamos -ao léu –
o caminho à outra mão
sem muito perceber que
espalhada ao chão
uma poça refletia o céu.
E seguimos a caminhada
Pé ante pé
presos por gravidade
ao chão
seguros na busca pela mão
que ilumine nossa morada.

Peça

Interprete um amor. Finja.
Calcule cada ação palavra
olhar movimento.
Dedique – se à peça como
um ator profissional.
Até gostar do texto
e se apaixonar pelo papel
a ponto de perder o limite
da ficção e realidade
e amar seu amor inventado.
e se fundir ao personagem criado.
Tudo o mais é ensaio
pra esta peça fundamental
deste amor diariamente encenado .
Deste amor cotidianamente criado.

Isolamento

Talvez eu te ame mais
por me isolar de tudo
que não seja você.
Talvez eu te odeie mais
por me isolar de tudo
que não seja você.
Mas tudo não existe
para o pouco que experimentamos
de tudo na vida .
O acaso nos limita.
Nunca conhecemos o bastante
tudo e todos para uma escolha isolada.
Sempre falta algo
em tudo que não temos
em tudo que nunca conheceremos .
Mas tudo é uma aparente falta
que sofremos.
Tudo é construirmos o amor
ao acaso de quem encontramos
em nosso ínfimo caminho.
Tudo é alargar o caminho ao infinito
em você , que eu decidi amar,
com quem eu decidi caminhar
e me isolar
de tudo que não seja
querer te amar.
Em você, por você
eu conheço
toda a humanidade
que decidi amar.

Epopéia de uma opinião

Opinião . Tenho algumas .
Várias sobre um mesmo tema.
Todas as opiniões em busca
de um sentido ,
como uma mesma paixão
a percorrer o corpo , o olhar , a voz
de várias moças. Com a vantagem
de nunca jamais ser rejeitado
por qualquer opinião.
Algum sentido de verdade
na opinião , como o breve prazer
do beijo que se recolhe na memória
até o caminho de outra boca
em espera.
A opinião gera frutos , filhos ,
fatos reais –
mesmo de paixões duvidosas .
Gera ações reais ,
mesmo de paixões pagas
e mentirosas.
E então tu te obrigas a amar –
para sempre – o fruto da tua opinião.
Eis o sentido da vida: a crença
e o exercício do amor ao fruto –
um beijo , uma breve paixão ,
,um filho , breve ciência de várias
Hipóteses testada – da tua opinião –
agora eternizada
no vento imortalmente passageiro
da tua ação consumada.

A criança cega

Foi vista a liberdade
perseguida e acuada nos becos
violentada em nome
da saúde pública
e segurança nacional.
« é pela vida «
diziam os que a surravam.
Foi vista mas ninguém a percebia.
« é pra sua segurança »
diziam os Carrascos
que encenavam ao público mudo
o espetáculo.
Arrastada em praça pública,
nua, torturada , imobilizada,
a liberdade estrebuchava seu
quase cadáver à vista
da indiferença calculada
dos transeuntes
que por ela passavam.
« é pelo amor « , diziam
seus espectadores passivos.
Uma criança, cega ao espetáculo,
tocou a liberdade.
Os transeuntes desesperados correram assustados pela Ação da criança infectada.
« está doente « , gritavam.

” é por mim e por você « Disse a criança à liberdade -que lhe sorriu.

Risco

Estendo a mão e atravesso
o teu toque proibido:
pela distância, pelo tempo,
pela aparente liberdade
de olhar no céu uma estrela
e tê-la ao alcance da mão
e à distância da ilusão.
Toco tua mão e nos limita o toque
onde não chegamos
a uma mútua compreensão.
Nos abraçamos na impotência
de qualquer profunda comunicação.
Não importa:
teu toque proibido , agora perto
me queima como o suicidio
de tocar a estrela antes distante
e pensada
que ora me queima
o corpo a vida a intenção.
Ouso o crime de te tocar
como à estrela vista e distante
que incendeia minha intenção.
Ouso o crime de te tocar
como ao vírus mortal e invisível
e nos abraçamos
em criminosa e deleitável
e recíproca
infecção .

Parede

O outro é uma parede solida
Impermeável a um toque
mais profundo.
( melhor: não queremos nos cimentar no outro ).
Parede
que nos prende
ou protege do desamparo
– como uma casa.
Moramos no outro
onde decoramos nossas projeções
penduramos nosso reflexo
em seu olhar
pintamos nossa amizade afeto paixão
edificamos nosso futuro
Parede onde erguemos
nosso teto baseamos nosso chão
nossa desilusão.
Parede onde abrimos nossa janela
onde também soldamos nossas grades voluntárias de onde enxergamos outras paredes
que nos indicam outras moradas
Outros outros onde habitarmos
e nos prendermos em nossas
prisões móveis.
Mudamos de casa mas
um outro jamais deixa de morar
em nós .
Nós que também somos paredes
onde moram e se prendem
tantos outros que nos arquitetam.