O eterno abraço

O eterno abraço crucificado jamais consumado jamais interrompe seu movimento que libera a graça inesgotável de sua doação aos que o rejeitam .

A tentativa crucificada de abraço se consuma eternamente na intenção que acolhe toda tentativa de amável ação. Todo amor jamais consumado viverá sempre nos que o rejeitam na memória do amanhã que finca a carícia nas mãos espalmadas do carrasco . O abraço sempre negado do carrasco a quem se ama será sempre pregado pelo amor que o crucifica – e salva

Um eterno abraço crucificado ressuscita sempre da memória de um amor despedaçado.

Suicida potencial

Pensando bem , nada te motiva a viver. Nem o desejo que se encerra em sua imediata conclusão , nem a espécie que se perpetua que repete os erros da sua herança ,
nem o amor que se esgota no ideal
de sua imperfeição Nem no erro
que ensina a sabedoria da resignação.

A vida não se salva . Portanto , suicida potencial ,
escolha melhor o que te acolhe : o desamparo
é teu chão . Nele tu crias a tessitura de um sentido que te embala. Nada é fixo . Esta tua pulsão :O pulo do precipício é segurado pelo abismo onde mergulhas no olhar do teu filho ; os pulsos que tu cortas cicatrizam no perdão à facada do amigo ; o tiro que explode tua consciência é implodido por te saberes parte do universo que não se explica – onde crias teu sentido . Sentido de amar o áspero que arranha teus pulsos em busca de uma cicatriz que vai curar outra chaga de um irmão a quem acolhes
em seu último grito que se converte em choro de feto renascido em comunhão .

O precipício que te atrai busca uma mão de um outro suicida potencial que te reconhece no abismo . Montanha de semi suicidas irmanados formando uma humanidade que suicida a morte .

Pensando melhor , sentindo melhor , nada te motiva a viver . Mas o nada não existe : é um artifício criado pela vida que te empurra contra o suicidio impossível onde escolhes viver costurando teu desamparo na cicatriz de outros pulsos onde beijas teu sacrifício onde mergulhas no precipício do princípio de um outro que costura tua morte à vida que jamais te abandona.

Deslimite

Para o que importa Todo limite é uma ilusão . Teu olhar esbarra ate onde o mar se esgota e prossegue um oceano onde naufraga tua limitação . teu olhar se esgota no céu azul que esconde as galáxias que tua imaginação ilimitada calcula na ciência infinita do que teu toque não alcança . Tua morte prolonga tua vida na memória que recompõe o afeto que derramaste nos que sobrevivem à saudade que fincaste nos corpos onde ficaste. Não há limite para o amor que se calcula em sacrifício , que se derrama para as beiradas de quem o ignora e crucifica . Não há limite para o abraço crucificado em permanente doação aos limitados olhares abençoados e ampliados por ilimitada paixão .

Para o que importa todo limite é uma ilusão Calcular um limite provisório ,do teu corpo , da tua mágoa , do teu ódio , até onde finda o abismo de sua sujeição , recompõe o infinito do teu tempo que se projeta – no segundo de uma boa ação – em eterna oração.

A construção da espera 3

Esperamos.
Esperamos por uma vida melhor
mas não perfeita . Que a perfeição
é o fim de toda espera .
Esperamos a cura para
a doença que revigora
a ação de nossa espera
Esperamos nunca nos curarmos
da paixao de nossa entrega
mesmo que nada esperemos em troca
a não ser o presente permanente
do sacrifício a quem amamos .
Esperamos o perdão do amigo
que nos estaqueia . porém antes
perdoamos fechando a cicatriz
da espera .
Esperamos nos libertarmos
a fim de escolhermos
nossas próprias prisões móveis :
pessoas ideias ideais
a quem apaixonadamente
nos encarceramos.
Esperamos o beijo negado
da mulher amada
para em outra boca
sentir o sabor furtivo
da traição de uma quimera.
Esperamos no filho
a perpetuação de nossa espera.
Esperamos o que queremos
mas esperamos mais :
um outro querer mais maduro
que reinventa nossa espera :
Esperamos querermos sempre além
do que pra nós desejamos:
Esperamos nos ofertarmos
no que sonhamos
Esperamos no sonho negado
a realidade de uma outra espera .
Esperamos sairmos do lugar
onde não saímos de nós mesmos
para abraçarmos uma aglomeração
de esperas em cada olhar , gesto abraço
de um outro a quem nos entregamos
por quem em ação continuamente presente
nos sacrificamos .
Esperamos jamais morrer
em cada ação de afeto
onde ressuscitamos.

Fetiche

Nenhum todo existe. Um planeta é parte de uma galáxia . Uma galáxia é ínfimo pedaço de um universo. Tua palavra de ódio , teu sorriso de afeto , tua lágrima de perdão escorrem em pedaços que jamais construirão todo um sentido .

Enxergo um pedaço . E amo um trecho de um caminho que jamais chegará a você inteira . Enxergo um trecho da história , de uma ideia , de alguém e sigo por onde me perco.

Uma parte espelha a criação de um todo. O quarto do filho que se foi redescobre o caminho da volta de um amor que jamais se perdeu .

Uma foto tua abraça a vontade de tua companhia.

Um mísero pensamento sobre o universo que nos ultrapassa abraça o infinito que sempre conhecemos – em sua ínfima parte que descobre a criação do todo:

O abraço em que te envolvo abrange todo o universo que desconheço – mas percebo – no fundo dos teus braços onde me deixo .

O Universo que nos envolve no pedaço de amor que nos deixamos é abraçado por todo Deus onde nos criamos

Superação

Aquele homem tomara o teu lugar . É mais jovem , mais belo , mais inteligente e talentoso que tu . Beijará a mulher que sempre quiseste , herdará teu emprego , tuas posses , tuas virtudes e melhorará a espécie. É justo que sejas superado . É além de justo que A ti , caia a misericórdia dos que são melhores que tu.

Aquele outro , menos talentoso , menos virtuoso , mais mesquinho , mais medíocre , também tomará o teu lugar . Por um tempo que premia a mediocridade , ele beijará a mulher que amaste , herdará teu emprego , tuas posses , roubará o mérito de tuas virtudes , pelo brilho de seus vícios.

A ti , caberá a justiça do perdão ao tempo que lhe atraiçoou e a melhoria do homem que – pior que tu – te abençoou com as ferramentas para a construção de um homem melhor.

E então , miserável e ultrapassado pela injustiça e mediocridade dos tempos , tu te tornarás melhor que a ti mesmo , melhorando o tempo que te abrigou e sacrificou .

A construção da espera 2

alvez não seja a vida que você queira , o trabalho que goste , a justiça o amor , a pessoa que mereça .
Talvez a realidade não se afine com a utopia
Que não brota do chão da sua esperança continuadamente adiada.
Mas é certo que a semente não brotada da sua espera sempre se adia para que você faça do chão duro e infértil um possível espaço para sua morada.
A realidade que lhe foi dada nunca se parecerá
com o ideal que sempre lhe faltará.
Você mesmo é a semente que fertilizará a construção da circunstância que lhe fará querer amar o que não merece ser amado , a ponto de lapidar a construção do odiável em amável ; a ponto de arrancar afeto do rosto repugnante da indiferença de quem tanto despreza o real como você – a ponto
de arrancar do chão frio da falta de sentido compartilhada um ramo de misericórdia : a concórdia da miséria humana compartilhada : o milagre humano da graça que nasce da desgraça comungada .
A vida que você não quer é a vida que lhe é dada . Mas a sua construção da realidade nunca lhe será roubada .

Obrigação

Você é obrigado a viver
Obrigado a morrer
Obrigado a comer
para cumprir sua função
Inescapavel de sobreviver.
Obrigado a comer a criação diária
do teu ideal de vida
que matará e reviverá outros obrigados
viventes em seu redor.
Obrigado a comer teu erro de cada dia
Obrigado a comer tua morte de cada dia
enquanto espera o despertar do sono
de em si mesmo sempre permanecer .

Obrigado a ver além de si
O que lhe faz mover :
alguém algo uma ideia
ou ideal de algo ou alguém
que constantemente trai
o seu querer.
Você é obrigado a querer
A construir o teu querer
A querer
mesmo o nada inexistente
que abraça teu cansaço
de sempre permanecer

Por falta de opções mais claras, amamos
a vida , a obrigação clara de sobreviver
ao tédio da existência.
Você é obrigado a amar:
Amar algo ou alguém torto
por teu desejo incerto
na obrigação inarredàvel
de construir quem é você
Amar mesmo a sua falta de amor
tua desilusão amorosa
que esplende em teu ressecar .
Amar a tentativa de amar certo
para além de nunca o merecer .
Amar a injustiça que lhe empurra
a contra ela se destroçar –
e ainda não morrer .

Você é obrigado a ver
contemplar mesmo a tua cegueira
aprender com os erros tortos
da tua certeza carcomida pelo tempo
e ainda não esmorecer
e ainda não morrer
Pois mesmo após a morte
cada detalhe de tua vida
erro acerto tentativa
em algo alguém
eternamente irá permanecer .
Eternamente irá viver.
Você é obrigado – sempre – a viver .

Sintoma

Padeço agora da falta urgente de sintomas.
Alguma doença há de me resgatar
desta saúde estéril que me joga
no mais vaidoso tédio de apenas
sobreviver .

Narciso nunca viveu. Espreitando lambendo
a própria imagem intocável , vivia estático, saudável,
à sombra de toda existência fora de si:
suicidava-se vivo continuamente
em glória à própria vida que jamais concebeu .

Todo outro , toda voz de um outro , toda tentativa falha de comunicação de comunhão
impossível com outra pessoa
é sintoma
de querer estar vivo.

A cada fracasso a cada ruído
em nossas vozes
misturadas que não se ouvem
ironizamos a falta de sentido.
Mas criamos um sentido que preenche a nossa falta.

Nunca saímos de nós mesmos
Mas tateamos no quarto escuro
de nosso isolamento
a sombra de algum toque furioso
que nos infecte de algum alegre desespero
e nos faça mergulhar para além
do suicídio vivo de nossa própria e covarde companhia .

Estamos sós . Sempre . Mas entrelaçados
em bilhões de outras solidões que nos sopram
e viralizam sua misericordiosa angústia .

Jamais Fechar olhos mãos corpo a todo sintoma
que nos move .
Um órgão só se sabe vivo quando dói.
Alguém só se aprende vivo quando aprende
um sentido pelo qual morrer .

Fingimento

Ha muito perdi o gosto pela vida .
Mas ainda abocanho um pedaço de desejo falseado do que quero.
A perda do gosto de viver te impõe duas ordens:
o suicidio que não anula tua história
que te engana no mergulho no nada que não existe
Ou a vida imposta , o afeto imposto , o amor imposto .
Obrigar-se a viver a amar a contragosto
é o apelo do santo que arranca um sabor
da própria carne e a lança na direção da doação
sem cálculo de uma ressurreição permanentente
a que se obriga .
Se não te comove o choro da criança recém nascida ou o gesto afável e interesseiro de um amigo ou a ação desastrada de quem por empatia destrói pontes e pessoas .
, saiba fingir
em nome de algum bem possível .
Uma doação fingida , um amor fingido
uma vida fingida em nome
de uma tentativa de um bem salva vidas .
Teu fingimento calculado de amor gera amor real
em seu redor .
Se em mais nada acreditas , saiba o que o nada inexistente é a mais falsa e estéril das crenças.
Finja . Interprete . Viva como um ator
que ama a própria atuação e vida lhe oferecera
um palco que melhora teu fingimento
e o transformará numa realidade maior
que uma tátil verdade .