Natureza

Olhas para o suave farfalhar das flores ao vento enquanto acaricias teu cão . Suave o vento que arranca das flores suas pétalas e as aleija . Suave a rotação da terra que nunca descansa rodando em torno do seu eixo. Suave e preciso o movimento do cão que abocanha o pássaro lírico que raso voava . Olho para teu olhar suave que arranca da minha paisagem uma erupção que queima toda forma de paz . Suave cada instante que nos aproxima do fim onde por angústia abocanhamos o pássaro lírico que atravessa o suave vento que nos despetala e aleija pouco a pouco .

Me atraso

Desculpe : Me atraso porque não sei exatamente onde quero chegar.
Parto de um sentido indefinido e caminho nos desvios por onde me perco antes de chegar aonde não sei se quero ou temo querer : você .
Caminho sim em sua direção , por onde você tantas vezes se afasta , a fim de não nos colidirmos em um caminho tão exato . Não te entendo como um sentido único e exato ou perfeito , mas construo o caminho a mim mesmo , onde a chegada é seguir caminhando sem descanso . Até você , até mesmo ao teu abandono .
Desculpe : me atraso porque voluntariamente me perco de você , de mim , a fim de contemplar outras encruzilhadas . Sigo fiel ao caminho que escolhi sem deixar de saber que as curvas valorizam uma linha reta.
Me atraso calculadamente menos por medo de te perder , mas por pavor de , te encontrando , perder o sentido do que achei em você .
Você é meu lugar nenhum que me caminha para além dos meus passos .

Ninguém para culpar

A tragédia finca seu silêncio no corpo ausente de um culpado .

Ninguém é culpado por não te olhar , desejar , amar . Ninguém é culpado do teu desejo negado que se deixa tocar por outra mão que não a tua e acaricia teu ódio que se espalha ao indefinido.

Ninguém é culpado pelo vírus sem consciência que se alimenta do teu vigor ou do teu vigor que se queda consciente da tua ausência de vontade que te abraça sem fervor .

Nem mesmo você é culpado por amadurecer o teu querer e apodrecer o desejo primaveril pelo que te anulava. Você se descobre e sua descoberta te encobre por onde tua febril juventude te amparava na mais lírica ignorância que te esboçava um
Sorriso de felicidade. Você ainda anseia pela ignorância que emoldurava teu sorriso p
Ora destroçado.

Ninguém para culpar

Um terremoto não tem
Culpa . Uma rejeição não tem culpa . Uma morte não tem culpa. A queda de uma vontade não tem culpa . Não se culpa a suposta traição de quem não é fiel a teus ideais e intenções . Sem ninguém para culpar , restam os reparos das pequenas ruínas cotidianas: a cura dos feridos que ainda desejam , a reaprendizagem da vontade , a realocação de mortes e afetos ainda vivos , a acao de amar para além da vontade de um amor que se foi ou que não mais chega.

A ausência da culpa apodrece o corpo e amadurece uma possível santidade.

Prego

Tua vaidade contrariada finca na mão de um novo Cristo o prego com que martirizas teu falso senso de justiça .

Teu ressentimento se traveste de amor a uma justiça que age como carrasca diante daqueles que ousam não enxergar teu martírio .

Teu fracasso berra por tuas chagas por onde não enxergas as chagas que impões a teu semelhante por vingança a quem não merece tuas torturas .

A mão de um semelhante que pregas na cruz é a tua mesma . Tu te tornas um mártir da tua própria cegueira , se torturando , se matando na morte de quem não merece ser assasinado por teu ressentimento.

Todo mal , todo ódio nascem de um mal cometido . Todo bem , todo amor nascem de um mal cometido. No calvário da vida ,crucificados todos ,cada um escolhe a Cruz que lhe cabe.

Escolha bem o seu martírio a fim de que ele abra os braços em abraço ressuscitado a um outro crucificado.

Planta

Plantei em mim um vago sentido
de esperança .
Eterna flor em expectativa
sem tempo
Porque Nunca nasce completamente :
permanece raiz em espera
regada por pequenas mentiras projetadas
que enganam o desespero
e alguma ação generosa calculada
que permeiam o solo áspero
da minha pele.
Plantei um torto sentido de beleza
que não espera cicatrizar a pele
antes penetra e acaricia a cicatriz
como quadro à espera da moldura
de um corpo que nunca chega.
Plantei no corpo a espera
por um toque que nunca chega .
Plantei na espera
a flor que nunca se entrega.
Enganei o desengano
me tornando a raiz
que por nunca florescer completamente
jamais morrerá eternamente.

Ignorância

Não querer conhecer tudo
é uma maneira de conhecer melhor as coisas.
Muita visão estraga o visto
Pelo excesso de certeza
que assassina a possibilidade de alguém ,
de uma realidade que gera um encontro
com alguém
Distante de uma chegada
onde se chega só – cercado de certezas
que cobrem tua solidão.
Alguma ignorância , alguma distração calculada calça os pés da caminhada
do teu , do nosso mútuo perdão
ao que desconhecemos – e abraçamos .

Deslocamento

Poema deslocamento

Nunca era a situação certa
Nunca era a pessoa certa
Nunca era O grupo certo o lugar certo
Sempre se escorava na possibilidade
de um momento que fabricava à sombra
da pessoa incerta que se tornara
à sombra da sua vontade de quimera
À sombra da preguiçosa utopia que se criara.
Até por fim
fabricar em gente incerta como ele era
a vontade certa de querer amar algo alguém
para além
da sua vontade
querer agir por algo alguém
para aquém da luz tão forte
da infantil auto estima que o cegara
para um sentido tátil de tocar
no primeiro outro
a ação que batizara o lugar
da doação cega que rompeu seu deslocamento .
Todos os lugares são certos
para o que sente as mãos cegas
que melhoram
a argila que compõe as pessoas que se tornam certas pela ação amorosa
com que as moldamos .

Maquiagem

Maquiagem

aquele breve momento imaturo em que gostei mais de alguém do que deveria fincou a saudade de um engano que a maturidade hoje me paralisa. O amor é uma infância calculada , uma cegueira que abraça à sombra e a torna luz.

Aquela ideia que sucumbiu à realidade ergueu um movimento ao ideal que ainda abriga em mim a saudade da volúpia da utopia que me arruinou; acalenta a saudade enrustida de um engano que rechaço.

É de mim mesmo ludibriado pela fácil boa intenção e pelo ideal ingênuo e pela romântica ingnorância que sinto falta

Sim, Tudo vale. Todo erro é projeção de acerto . Todo desvio é um caminho turvo à linha reta. Todo tropeço é um passo pra reerguida. Mas há um gosto acre na boca do sábio que te tornas pela aprendizagem .

Aprendes pelo erro a amar o Amor .
Aprendes pelo erro a idealizar a ideia turva que te gerou e a amar em seguida
a realidade que te trai.
Aprendes pela sombra
a tatear a possibilidade de luz .
Amadureces pelo engano. Abres os olhos . Mas há na cegueira um gosto suicida que lembra o gosto da tua imatura juventude .
Apodreces pelo engano revelado
em direção à perda do prazer que te devora
e te ilumina para um sentido maior

Por vezes Maquias teu rosto enrugado pela aprendizagem por saudade da ingenuidade
que te ensinou a amar.

Caminho para as mãos

Transbordo de sentido .
Tudo faz sentido onde me entrego
ao que crio .
Cada instante que perco flutua
sobre a fome de vida que me devora
Cada pessoa que não acho espreita
o lugar onde me perco .
O momento seguinte me desespera sempre
pela esperança de ser melhor do que passou .
Não há morte que me assuste
no presente
que me escapa aos dedos
onde seguro a tua mão
pelo caminho em que sempre esperamos
pelo infinito .
Eterna a distância
entre mãos que nunca se deram
Mas mais eterna a lembrança do toque
de dois corpos que se acharam .
Não há fim para o que age
sobre o que espera e lembra.
Não há solidão nem desencontro
nos passos
onde caminhamos
na busca eterna por outra mão
que nos guie
Não há escuridão no caminho
para quem tateia segura ama
toda mão que o caminhe
em direção à luz.
Não há escuridão
quando a mão dada
é a luz e o caminho

O amor é uma preguiça ativa

Apenas peço que me deixe cuidar de você .Você nada precisa fazer . Apenas me deixar cuidar do milagre vivo que é para mim . Na cama , estática , inerte , preguiçosa . Me deixando te servir e estar contigo , você serve a quem quer ter o prazer de te servir. Parada , sonolenta , servida , você serve ao princípio de amor que lhe tenho. Tua inação inexiste. Tua existência se dá em um abrir de olhos , um ligeiro sorriso entreaberto, um ligeiro aceno de mão que me ordenará um chá com bolachas. Um gesto teu acaricia uma ação que movimenta o mundo de quem te ama. O amor é uma preguiça do resto do mundo onde se encontra com um sentido que atravessa todos os passos que levaram à chegada da tua cama onde você repousa todo movimento que gastei até te encontrar. O amor é uma preguiça que movimenta o mundo – por tua causa . O amor é uma preguiça que movimenta o mundo Pela causa de querer te amar , querer te servir , querer abraçar o mundo através do repouso que exerço ao me entregar em ação infinita para que você descanse. Tudo que faço para querer te amar me repousa . Teu descanso lasso movimenta em mim o amor que desperta o mundo em teu sono velado por mim