poema claro

Criava pessoas
à imagem e semelhança
do personagem que para si
também se criava.
Não criava afetos, amores
Antes criava distâncias
inarredáveis
entre ódios, ausências ou indiferenças
que jamais tocava como realidade.
Descriava o medo de entrega
por pavor da covardia
Pregava no deserto
a sede que o justificava
Não negava o deserto
mas sorvia a água que não achava
e que banhava sua suicida intenção
que sempre o ressuscitava
Deliberadamente cego à cegueira
da luz excessiva
que turva a visão
enxergava para dentro do toque da criação
que encastelava sua fome de clareza
à sombra do abraço que o esfaqueava
Recriava a traição
por fiel princípio
de vingança:
fielmente
amando o traidor
Criava pontes de areia
que naufragavam na criação
enquanto estátuas de mármore
lhe sorriam
– soberbas
plenas de inação.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *