Horizonte
A cidade se abre como encruzilhada complacente
convidativa em suas esquinas tergiversantes
em sua essência de boca porosa
engolindo seus transeuntes desavisados
Como um tumor não descoberto, produz sorrateiramente
a metástase dos seus espelhos coletivos
em reflexo deformado de seus narcisos singulares
sequiosos por uma falsa imagem do que
deixam de ver à sua frente
A cidade reflete a si mesma na projeção dos seus habitantes:
seus odores de rotina suas máscaras de concreto
seu plano mal calculado e ultrapassado pelo
progresso das circunstâncias
seu asfalto áspero dando solo
a sonhos desejos e convicções amaciados
pelo conforto estático dos transportes públicos
o trânsito caótico de suas vítimas ávidas pela colisão
A cidade sobrevive como geografia humana em perspectiva
ornada de monumentos estéreis de heróis desnecessários
sustentada pelo frágil vértice dos edifícios que miram um céu intangível
A cidade se fecha como resposta tácita a uma pergunta estilhaçada
Seus ruídos guturais sua falta de estilo seus cruzamentos enviesados
sua velocidade sem rumo seu grito primitivo e inescrutável
são o sentido lógico e equação exata de sua urbanidade inviolável
A cidade pesa sobre seus habitantes
como tentativa atávica e utópica
da construção de um lugar comum
para multidões de um só.