2006-06-02 22:11:00

       
  

Superfícies e profundezas

O Brasil é o paraíso da
superfície.Não à toa grassam entre nossos supostos talentos literários
um sem número de cronistas que agora têm um novo recrudescimento com o
surgimento dos blogs.Figurinhas blasé, dândis que pregam uma atitude
indiferente, ao mesmo tempo irônicos e iconoclastas.

O problema é o balanço entre ironia e
iconoclastia.Uma certa porção de culhões é necessária para se tentar
destruir algo e se tornar de fato um iconoclasta ou coisa do tipo.Por
falta de substância-e de culhões- nossos neo cronistas virtuais carregam
nas doses da ironia, aceitando tacitamente um estado de coisas como
elas são:ruins mesmo, enquanto esta casta privilegiada de escribas
potencialmente usufruiriam de uma visão beatífica da estética
universal.Bah.

Ah, não se enganem:o contrário também existe e é tão
ou mais tedioso quanto o fenômeno dos dândis internéticos.Há também os
frutos da sempre popular e populosa intelligentsia nacional:os filhos da
esquerda festiva.Revolucionários de botequim que vestem camisetas de
che guevara e querem conceber e realizar a revolução socialista nos
dias de hoje.As palavras de ordem são sempre as mesmas:luta contra as
desigualdades, contra a fome , contra a injustiça social e patati
patatá.

Pois bem: o que une este grupos aparentemente tão
diversos? A superficialidade mesma.São todos oriundos(embora os blasé se
finjam por vezes críticos deste viés) da crônica brasileira:esta mania
tupiniquim de tentar embutir teses sociais, metafísicas e filosofias em
uma conversa de mesa de bar.

Você, desconfiado leitor, deve agora estar se
perguntando que diabos este escribinha que vos fala está a meter o
tacape na própria raça.Não seria ele um destes frutos do croniquismo
brasileiro também? Talvez sim, em parte.Mas quem é que disse que esta
mania de superficialidade é necessariamente ruim? Pode ser chata e o é
na maioria das vezes, porque a maior parte dos cronistas crônicos
não tem talento, ou é visceralmente enfadonha mesmo.

O fato é que nada tenho de substancial contra a
superficialidade em si, desde que a dita cuja seja bem arquitetada e
resvale num certo aprofundamento, só para que o leitor não se afogue no
tédio de uma poça rasa de julgamentinhos sem estrutura.E, de resto, a
maioria das profundezas da literatura e mesmo das relações humanas são
em essência superficiais.Talvez profundo mesmo seja o sujeito que saiba
tirar da superfície um extrato do que seria a essência(ou a falta de
essência) da humanidade.Uma leitura mais atenta e acurada de um Proust
ou mesmo de um Shakespeare revela exatamente isto.

Ser superficial na forma e profundo na superfície é
uma equação não muito afeita à maioria das pessoas que escrevem ou
tentam escrever.Por isto mesmo há escritores e pessoas que escrevem.A
questão particular no Brasil é que há gente que intencionalmente quer se
fazer de superficial para ser profundo e consegue exatamente apenas o
primeiro intuito.Em outras palavras:alguém uma vez disse de Oscar Wilde
que quanto mais frívolo ele parecia ser, mais profundo ele era.Alguns
escribinhas tupiniquins, por mais frívolos que parecem , mais frívolos
conseguem ser de fato.

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