Apologia ao Urubu
Urubu se aplica generoso à limpeza dos despojos
Sua fome cidadã se endereça aos dejetos sociais
à limpeza do que olhos não mais ensejam ver
Urubu correto incapaz de roubar a vida
se alimenta de fins e desfechos já consumados
não luta pela sobrevivência
antes se nutre de mortes necessárias
Ave cristã despojada de ego
seu orgulho é seu probo papel
de remoção dos restos da dor alheia
Chama com garbo a feiúra elementar das coisas para si
Apaga os adereços fúnebres do inconsciente coletivo
Sua presença feérica se produz
pelos olhares desviados
daqueles mesmos que o criaram
Sua presença feérica
é sua ausência nos contos de fadas
Urubu segue seu vôo magnífico
levando consigo os desgostos sublimados
digerindo sombras desencantos misérias desilusões
Discreto, distante, habitante do esquecimento
Longínquo morador de um paraíso
feito de um rastro de mágoas evacuadas
O peso da dor mundana se escora em suas asas
E ele, plácido, voa leve
sem se dar conta de seu papel redentor.